terça-feira, 19 de setembro de 2017

Livro revela evolução das favelas





O  problema das favelas cariocas há muito é uma realidade no Rio de Janeiro: em 1933, o Censo Predial – o primeiro a levar em conta as comunidades  - já teria registrado mais de 40 mil casebres. A informação é uma das muitas reveladas no livro “Favelas Cariocas“ ( Editora Contra Ponto ), da socióloga Maria Laís  Pereira da Silva. Depois de percorrer durante anos as entranhas das principais favelas cariocas como estudante, ela decidiu aprofundar o tema, a partir da sua tese de doutorado do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A pesquisa faz uma revisão da bibliografia disponível sobre as favelas do Rio de Janeiro, que começaram a fazer parte da paisagem a partir da década de 20. Estudando o período crítico de expansão, que se inicia em 1930 e vai até 1964, a pesquisadora analisa principalmente as favelas operárias, onde se concentrava a mão-de-obra das indústrias nascentes, e descreve as relações conflituosas entre moradores e proprietários dos terrenos. Além disso, lembra as mobilizações dos favelados e a ação dos políticos, desde Pedro Ernesto até Carlos Lacerda, e mostra a constante disputa travada entre instituições como o Partido Comunista e a Igreja Católica. A importância do estudo, segundo a autora, é compreender o futuro da “ questão favela “, que permeia a cidade e ganha  , a cada dia  , novos significados.

-É necessário olhar para trás, para o passado das favelas, e recuperar algumas de suas características e relações com a cidade. Será que nada mais existe a tratar em relação às favelas? – diz a autora.

Questões como a permanência e crescimento das favelas frente à resistência imposta pela sociedade e a influência determinada pelo desenvolvimento industrial são analisadas com o auxílio de fotos de arquivo.

- A favela foi explicada, ao longo dos anos, por meio de oposições e dualidades. Asfalto versus morro, formal versus informal, legal versus ilegal. Tentei olhar o que ocorre no meio, no entre, no espaço que permitiu que as favelas fizessem cem anos  - detalha.

O debate dá ênfase às fontes formadas nas próprias comunidades, com o auxílio de organizações não-governamentais e de grupos de moradores de favelas que recuperam a própria história, por meio do registro oral ou documental.

Fonte     -      JORNAL  DO  BRASIL           pág       A  14   
Sábado   ,  17 de Dezembro de 2005          CIDADE    

CENTRAL  DA PERIFERIA
MINHA  PERIFERIA  É  O  MUNDO
JUSTIÇA  VISUAL: EXPLORAÇÃO  DO  BEM

Não adianta usar a favela como tema e botar a cabeça no travesseiro achando que tá fazendo uma grande coisa. Um filme, um livro, um CD  ou um programa de TV não muda a realidade de nada. É óbvio que ajuda a mover as ideias na sociedade, essas sim, mudam para o bem, para o mal, mas  , apesar de isso ser muito de um lado, é muito pouco diante de questões urgentes como a fome e a violência urbana. Pra falar de um assunto da moda, vou citar a bola da vez: Tropa de Elite. É lógico que Tropa de Elite não vai mudar o Brasil. É até injusto botar essa responsa numa obra cinematográfica, pois sua função é outra, é discutir ideias e, quem sabe  , de quebra  , dar uma forcinha pro cinema brasileiro ; não é resolver problemas reais.

Quem tem que resolver problemas reais são os governos pressionados por uma sociedade atuante. 

Se algum filme ou programa de TV resolvesse alguma coisa;  Pixote – A lei do Mais Fraco“ tinha mudado a realidade dos meninos de rua no Brasil há décadas. Na época, o filme do Babenco foi indicado ao Globo de Ouro como melhor Filme Estrangeiro, fez um barulho danado, e todo mundo sabe que não resolveu a vida do Fernando Ramos, o Pixote, que, foi assassinado por PMs na favela de Diadema (SP)  , em agosto de 1987.

A verdade é a seguinte: ou a gente troca esse disco e a periferia se impõe virando protagonista do modo de produção desses produtos ou a favela vai estar mais uma vez apenas sendo usada. Nem to falando do Padilha, ok ? Não lembro de tê-lo visto falando que o filme era um instrumento político e tal. Ele se coloca como cineasta e pronto. O problema é quando a favela é tema de livro na Zona Sul e o autor acha que tá fazendo alguma coisa pela favela e ainda recebe o dinheiro público para tal. Isso é que, no sapatinho a gente chama de “exploração do bem, ou seja, uma coisa tão absurda que nem existe! Nem se trata dos asfaltistas abrirem seus coraçõezinhos  (leia-se cofres abarrotados), mas de a periferia ir abrindo seu espaço, editando seus próprios livros ou fazendo parcerias, fazendo seus próprios filmes, seus próprios programas de TV, ou, amigo, de boa intenção todo mundo sabe que o inferno tá cheio.

Outro lugar que também tá chegando de gente bem – intencionada são as coberturas ou mansões de frente para o mar.  Só que o Monarco continua morando na Mangueira. Eu não tenho nada contra as coberturas ou mansões, tanto é que quero a minha também, afinal a nossa luta não é para dividir a miséria, mas a riqueza!  O lance é que quando a “intelectualidade do bem “ faz um programa de TV defendendo o samba, o Monarco coitado, fica com a merreca das vendas. Todo mundo quer ser porta-voz da cultura da favela, todo mundo diz que a favela vai lucrar com essa exposição na mídia, mas o dinheiro dos produtos culturais não chega na favela, irmão!  Queria ver alguém ser porta-voz daquele pianista fodão Nelson Freire sem ele lucrar o percentual majoritário na parada! O barraco ia baixar nos salões mais chiques do mundo, e com razão! O fato é que pimenta no cuscuz dos outros é refresco.

Eu sou a favor de juntarmos as mãos para mudar a realidade, mas sem esquizofrenia e oportunismo. Favela  , é favela  , elite é elite. E quando o assunto for favela, não vem querer me convencer que você entende mais do que nós. Não vai querer se dar bem em cima da nossa foto. Porque depois de desatarmos as mãos, ao fim de uma reunião, cada um vai pra sua casa e a vida fica bem diferente. Faz um tempão que a intelectualidade escreve dezenas de livros, faz filmes e tem um monte de opinião sobre o que deve ser feito. Bacana. Mas quem de fato começou a dar uma alguma espécie de solução para a favela foi ela própria. Movimentos como AfroReggae, Nós do Morro, Observatório das Favelas, Banguçasso Cine Periferia, MCR são reconhecidos pelo pode público do Brasil e do mundo como iniciativas que criaram oportunidades inéditas, nunca sequer imaginadas. E não eram, porque as “ soluções “ vinham da intelectualidade endinheirada. Hoje, essas instituições. Constroem modelos bem–sucedidos e já começam a criar um embrião de geração de intelectuais de favela. Isso mesmo. Temos nossos próprios protopensadores pensando do mesmo jeito. E a solução está vindo por aí, pelo fato de fazermos as coisas do nosso jeito. No primeiro ano, pode até sair meia-boca. No segundo também. Mas no terceiro dá certo e se não der, se precisamos de 300 anos, tudo bem, já começou a contar!

Essas organizações criaram arduamente o conceito “ protagonismo social “ , que significa que a própria favela se remoeu e arranjou suas próprias soluções, e isso só foi possível porque elas começaram a fazer as coisas do seu próprio jeito.

Resumindo  : se quiser me ajudar, irmão, deixa eu fazer meu próprio show. A favela já está bem grandinha em termos institucionais, políticos e estéticos, ela já pode falar por si, e negociar com as outras instituições de igual para igual. Qualquer coisa diferente disso me parece e é tentativa de “ infantilizar “ a favela no assunto mais difícil de todos: grana! Que é onde o bicho sempre pega e o coração dos “ intelectuais do bem “ sempre aperta.

O bagulho é tão doido que o preto e pobre sempre apareceu na TV e nada muda. A novidade mais importante dessa história é colocar os pretos pobres fazendo TV, cinema, teatro, livros e tudo o mais. E assim tornar essa indústria cultural mais justa socialmente. Do contrário  , é enganação , não Justiça Social  , é apenas Justiça Visual ou até visual de justiça.

Fonte   - Jornal   O  GLOBO    -    RIO         pág 22
INFORME  PUBLICITÁRIO  - CENTRAL  DA  PERIFERIA
CELSO  ATHAÍDE  - é  coordenador  nacional  da  Central Única  das Favelas


Maldição  é  ser  brasileiro  pobre 
Escritor  de  Cidade  de  Deus  não    milagres  do  governo que salvem  a  favela  de  sua  sina:  excluir

Ele ainda não decantou o olhar sobre São Paulo. Depois da viagem a Medelin no final de setembro, a volta rápida ao Rio, outra em seguida a Bogotá e mais uma ao México, Paulo Lins quer sentar sobre a mala e parar. De preferência com o filho de 4 anos à mão, que foi por isso que ele se mudou do Rio para a capital paulista: para ficar perto do “neném“, que mora com a mãe, nativa de São Paulo. Longe da vista para o Cristo, o poeta, professor, roteirista de Cidade de Deus, Quase Dois Irmãos, Era uma vez..., Cidade dos Homens e Faroeste Caboclo, afora um livro sobre samba na agulha, está meio perdido  - mas não a ponto de não poder dar esta entrevista ao Aliás. Aceitou conversar sobre o destino das favelas ao saber do incêndio que desalojou 350 famílias da Diogo Reis, no bairro do Jaguaré, no domingo.

Não que o fogo lhe seja fato novo. Cidade de Deus, onde morou dos 7 aos 23 anos, inflou a partir de moradores fugidos de incêndios e enchentes que assolaram o Rio de Janeiro nos anos 60. O próprio conjunto habitacional esteve sob as camas,  sabe-se lá se criminosas ou não. “Não dá para afirmar  , mas dá para deduzir  , afirma, remetendo a uma concentração de pessoas nem sempre benquista pela especulação imobiliária, mas que veio a calhar à exclusão social. Mordaz nas críticas. Paulo pede uma reforma agrária na cidade, um estranhamento dos negrados pela sociedade. E que se deixe de lado essa coisa de praga dos deuses, como cogitou um desabrigado da Diogo Pires. “maldição é ser brasileiro pobre  , isso é que é maldição.

ESTOPIM  INVISÍVEL 

A favela tem um sistema de fiação horrível, não há segurança ali. Depois de um incêndio desses  , não se pode dizer que a maldição ronda o lugar. Quem é essa gente? Quem é esse favelado? São os negrados, negros  e descendentes de nordestinos. Quando você fala em nordestino, está também falando de índio. Não são europeus, nem árabes, nem asiáticos. É um povo invisível, para o qual a sociedade só dá atenção temporária quando acontece uma desgraça assim, ou quando esse povo comete violência. Enquanto está morrendo de fome, de fogo, de frio, ninguém liga".

A  NEOFAVELA 

Neofavela“ é o novo gueto, o gueto oficial. Chamo todos os conjuntos habitacionais de neofavela. Chamo a Cidade de Deus de neofavela. No Rio, mais que abrigar os flagelados de 1966, 1968, essas áreas foram pensadas para “limpar “ a zona sul como se fez em São Paulo, onde os indesejáveis foram levados do centro para a periferia. Construíram e constroem apartamentos horríveis bem longe e largam aquele monte de pobre junto. Aí o Estado  - a sociedade também, porque tudo que o estado faz é porque a sociedade permite  - coloca armas e drogas na neofavela. Some-se a elas a corrupção e dá no que dá: violência.

PROMOÇÃO   ?
 
“Discordo do presidente quando ele diz que as favelas vão virar bairros, e assim todos os problemas vão se acabar. Primeiro, não adianta trocar de nome. Do dia para noite, Capão Redondo não é mais favela, é bairro. Isso vai mudar alguma coisa  se continuarem confinando os negrados  ali ? Não. Também acho uma insensatez o Minha Casa, Minha Vida. Por que não distribuir essas pessoas na cidade? É refazer o que já não deu certo. Fui à Santa Marta ontem. Colocaram tanto policial lá, o tráfico foi embora. E os bandidos? Recuperaram alguém? Deram emprego? Preferiram uma lanhouse com cem computadores. Isso não é um investimento sério em ensino.

NA   TERRA  DE  JAMELÃO

"As favelas são muito parecidas no mundo todo, mas as do Rio têm um diferencial cultural: morar na Mangueira, por exemplo, é morar na Mangueira. É terra de grandes compositores, adorados por toda a sociedade, como Cartola, Nelson Cavaquinho  , Nelson Sargento, Carlos Cachaça, Jamelão...  O mesmo acontece com quem mora no Salgueiro, em Madureira  , em Padre Miguel  . Em São Paulo tem a cultura do rap ainda sem aquela tradição. Os artistas das favelas paulistanas estão aparecendo agora, mas são muito discriminados. A discriminação racial em São Paulo, por sinal, é muito maior que no Rio. Aqui há muito seguranças, e se a sociedade é racista, os seguranças também são. Além disso as ruas de rico de São Paulo não são caminho de pobre. No Rio, para subir a Rocinha tem que andar em São Conrado, para ir ao Pavãozinho tem que andar por  Copacabana. Mas, em termos de racismo no País, acho que ninguém bate a Bahia. É uma coisa acirrada, e o preconceito é forte por parte dos próprios negros. O filho de uma amiga, que é branco e vive em Salvador, às vezes diz para a mãe que queria ser negão.

RG  DE  MORADOR
 
Na favela moram os trabalhadores. Tem servidor público, militar de baixa patente, empregada doméstica. É o sujeito que a gente vê todos os dias nas ruas, na portaria do prédio, é aquele que chega para consertar a TV, para cozinhar, para cuidar dos nossos filhos, para entregar uma conta ou uma pizza. Se ele pudesse morar mais perto, seria mais feliz porque não precisaria ficar duas horas num ônibus para bater ponto no trabalho. A cidade comporta. Tem muito lugar vazio dentro dela. Tudo bem, não vai caber todo mundo,  não será uma reforma tão democrática e ampla, mas construir casas é uma forma de roubar. Se comprar é muito caro, a longo prazo não vai ser. Caro é botar polícia, matar pessoas, ocupar favela para acabar com a violência porque, se aglomerar gente pobre e muni -la de drogas e armas, vai ter violência e ressentimento. Para o favelado, a classe média é rica. Existe um rancor social. Antigamente, o sujeito assaltava e deixava os documentos para o cara pegar um táxi, um ônibus. Hoje  mata com crueldade. E, dentro da favela, o tráfico dá segurança falsa. Há invasão de inimigos, pode sobrar bala perdida. Se os policiais sobem a favela, também. Só está seguro na cidade quem já morreu.

O  TRIPÉ  DA  VIOLÊNCIA

“A polícia brasileira sempre foi corrupta. Não existe poder paralelo, o crime está dentro do poder. Só tem violência porque tem racismo, corrupção e pobreza. É um tripé. Não pode haver crime organizado sem corrupção. Não pode ter tráfico de armas sem corrupção. Dá para plantar maconha na favela? Dá. Dá para produzir  cocaína ali? Difícil... Agora, dizer que se pode fabricar armas na favela, isso não. Não pode.

PODER  SOLITÁRIO
 
“Mudou muito o perfil do tráfico no Rio. Hoje não é mais negro, mas o nordestino. Em São Paulo, aliás, já é assim há muito tempo. O negro carioca que está no morro há anos já construiu sua rede de solidariedade, saiu da linha da miséria. O nordestino, não. Muito migrante chega sozinho, às vezes fica 15 anos sem ver o pai, 20 sem ver a irmã. Vem para trabalhar, não tem dinheiro para voltar. E felicidade é estar com a família. Então tem muito nordestino envolvido com o tráfico. Houve um upgrade para os negros. Os nordestinos não conseguiram isso ainda, eles estão fora da terra deles.

ACONCHEGO
 
“Houve um tempo em que o lugar em que eu mais me sentia bem no Brasil era no morro. Ali eu não era discriminado. Neste restaurante, por exemplo, só tem eu de negro. Geralmente é assim nos lugares em que há pessoas de maior poder aquisitivo. Você vê a discriminação racial o tempo todo. O problema não é a cor, o problema é a grana. Mas quem tem a grana? No Brasil não existe ascensão social. A sociedade não lhe permite  isso. Só alguns conseguem esse acesso, e por meio do futebol, da música e da arte popular, não erudita. Então é outro universo, totalmente inalcançável. Quando saí da favela, eu tinha 23 anos. Entrei na Universidade, descobriu o mundo. Ainda assim, por muito tempo só me aconchegava lá. Não porque a favela seja boazinha, ela é ruim. Mas eu não era aceito do outro lado. “

Fonte    -  Jornal     O  ESTADO  DE   SÃO  PAULO     pág      ALIÁS   J 3
Domingo  , 18  de  outubro  de  2009    -   Mônica  Manir 

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