terça-feira, 28 de novembro de 2017

Bye Bye King






Em 1968, B. B. King foi contratado para fazer um show no Fillmore West, lendário palco do rock em San Francisco. Na boca, ainda tinha o gosto ruim de uma apresentação num clube sofisticado em Chicago, anos antes, em que fora apresentado de forma debochada pelo mestre de cerimônias, como se fosse uma atração de música caipira. Quando viu a multidão de “brancos cabeludos“ fazendo fila na frente do  Fillmore, o músico sentiu um frio na barriga e comentou com seu empresário: “Acho  que nos programaram no lugar errado“. Mas aí era tarde: o empresário Bill Graham já o apresentava o espaço: “Senhoras e senhores, trago para vocês o presidente do conselho, B. B. King !". “Aí todo mundo se levantou  , e eu chorei , recordou o músico, em entrevista à TV em 2003. “Foi o começo de tudo .”

O blues, tal qual se conhece hoje, teve em Riley B. King o seu grande embaixador  - e seu rei, título que já nasceu com ele, por causa do sobrenome. Juntando a música de tradição rural, do interior do Mississipi ( onde nasceu ) aos ritmos negros mais agitados das grandes cidades, o guitarrista e cantor formatou um estilo único, que foi além das fronteiras dos Estados Unidos. “Eu queria ligar minha guitarra às emoções das pessoas“, disse ele na autobiografia “B. B. King: uma vida de blues “ ( Editora Évora ), numa tentativa de explicar as penetrantes notas que arrancava de seu instrumento, cheias de um vibrato cintilante e reforçadas cenicamente por expressões de dor e angústia em sofridas canções como “ The thrill is gone “ – blues dobre amor e perda, composto por Roy Hawkins, que B.B.King gravou em 1969 e que se tornaria seu grande sucesso.

A influência do americano foi decisiva para alguns dos maiores guitarristas surgidos nos anos 1960  , como os ingleses Eric Clapton , John Mayall e Peter Green ( artífices de um movimento europeu de blues que acabaria por conquistar o mundo ) e os americanos Jimi Hendrix, Johnny Winter, Buddy Guy e Albert King. “Quero agradecer por toda a inspiração e apoio que ele me deu como músico", disse Clapton em vídeo postado no Facebook ( em 2000, ele gravou com o ídolo o álbum “Riding with the King“). “Não há mais tantos que consigam tocar da forma pura como B.B. conseguia. Ele foi um farol para todos nós que amávamos esse tipo de música“, concluiu.

B.B.King nasceu em 16 de setembro de 1925 em Berclair  , no Mississipi, filho de agricultores Albert e Nora Ella King. Depois de a mãe ter morrido e o pai ter se afastado dele, o garoto foi viver sozinho, sustentando-se com a colheita de algodão. Pelo rádio, em 1941 ouviu o blues do delta do Mississipi, aprendeu a tocar guitarra como autodidata e resolveu que ia viver de música. Cantando nas ruas e passando o chapéu em seguida, começou a ganhar mais dinheiro do que no campo. Em 1948, foi procurar trabalho como músico no Memphis  . A popularidade veio aos poucos  . Em 1951 já batizado de Blues Boy King ( alcunha bem sonora  , como Muddy Waters, Howlin‘ Wolf, Sonny Boy Williamson e de outros astros dos blues ), ele gravou a música “ Three o ‘clock blues “, que chegou ao primeiro lugar da parada de rhythm ‘n’blues “ e lá permaneceu por 15 semanas.

Com o sucesso B.B.King caiu na estrada – e nele permaneceu , até bem perto da morte . Em 1995  , uma estimativa dava conta de que  , até ali  , teria feito cerca de 14 mil shows ( uma média de 300 por ano ). Ele próprio, porém , celebrou o que seria seu show de número 10 mil, em 2006, com uma apresentação no B.B.King Blues Club & Grill de Nova York.


VÁRIAS  PASSAGEM  PELO  BRASIL

Numa de suas muitas turnês , surgiu o nome que, viria a batizar sua Gibson  ES- 355, e todas as guitarras que teria desde então  - Lucille. Com ela, apesar de manter-se fiel ao blues do delta do Mississipi, King buscou aproximação com outros estilos, fazendo experiências com big bands, r&b ( como na canção “ Into the night “, sucesso em 1985 na trilha do filme“ “Um romance muito perigoso “ ) e com o rock ( como em 1988, quando gravou com o U2 a canção “ When love comes town “ ) .

Rússia  , China  , Japão , a Europa inteira ... praticamente não houve lugar no planeta para onde B.B.King não tivesse levado seu show. E o Brasil, claro, não ficou de fora. Foram muitas as passagens pelo país a começar, por uma em 1980, no Festival Internacional de Jazz de São Paulo. Em 1986 durante uma turnê brasileira, ele acabou travando amizade com um de seus discípulos locais: o guitarrista  e cantor carioca Celso Blues Boy, morto em 2012.
Em 2004, em São Paulo durante outra de suas turnês pelo país, King cancelou uma folga e aceitou o convite feito por um conservatório para dar uma oficina musical a 30 de seus alunos. Ao grupo, misturaram-se nomes de destaque de música popular brasileira, como Jorge Bem Jor , Jair Rodrigue, Ângela Maria, Jair Oliveira e Paula Lima. “ Ele é uma escola para todos os guitarristas. "É o blueseiro do século XIX, do século XX e do século XXI“ , disse então  , Bem Jor.


Fonte         -           Jornal  O  GLOBO            pág 2   Segundo  Caderno

Sábado  , 16/05/2015       Sílvio  Essinger






100  anos  do  BIGODUDO  DALÍ 

Olha    !


Em 11 de maio de 1904, há 100 anos, nascia  Salvador Dalí, artista polêmico  do século 20, na cidade catalã de Figueres. O jeito maluquinho de ser, aquele bigode enorme  e a ganância foram suas marcas registradas. Dalí sonhou em ser cozinheiro, em seguida resolveu que seria Napoleão, mas quando pintou pela primeira vez, aos 6 anos, teve certeza de seu destino.

Uma série de eventos ao longo do ano tem procurado lembrar o centenário. Principalmente na Espanha. Além de mostras temporárias, é possível admirar Dalí em três instituições mantidas pela Fundação Gala - Salvador Dalí, na Catalunha, região apelidada Dailândia.

Em 1928 , influenciado pelo pintor catalão Joan Miró, Dalí mudou-se para Paris e aderiu ao movimento surrealista. Foi nessa época que conheceu Gala Eluard, que, além de ser a sua musa inspiradora, foi grande colaboradora.

Dalí trabalhou em parceria com o cineasta Luís Buñuel  em Um cão Andaluz ( 1928 ) e A Idade de Ouro ( 1930 ). Em 1931 pintou A Persistência da Memória, uma de suas mais famosas obras. No final da década de 30, Dali e Gala foram morar nos Estados Unidos por causa da 2ª Guerra Mundial. Lá se tornou uma celebridade aparecendo até em comerciais de TV. Quando retornaram à Espanha, 40 anos mais tarde, estavam doentes. Gala morreu dois anos depois. Desiludido, o pintor resolveu se enclausurar em seu Castelo de Pubol , em Figueres, de onde saiu só em 1984, após um incêndio que quase o matou. Os problemas de saúde agravaram-se, até que em 23 de janeiro de 1989, o artista morreu de insuficiência cardíaca e respiratória.


Fonte  -  Jornal  O  ESTADO  DE  SÃO PAULO    -    pág P 3

Sábado  , 15 de maio de 2004   - ESTADINHO





Guarnieri   não   falava português
 

Havia vários recados na secretária eletrônica. Dizer secretária eletrônica é confissão de idade ? Recados, hoje, são deixados na caixa postal do celular. Isso de caixa postal é uma coisa moderna e curiosa. Muitas vezes faço uma ligação e entra uma gravação avisando: “Este número está temporariamente desligado.“  Imagino que a pessoa não pagou a conta. Ou então: “Este número não existe. “ Errei na discagem ou a voz se enganou  ? Porque sei que o número existe, está na minha agenda. Sim, tenho agenda de papel! A voz também pode me avisar que o número está ocupado. A questão da voz telefônica impessoal ainda precisa ser analisada por fonoaudiólogos ou sociólogos. Como se produz a voz artificial  do computador  é coisa que me fascina. Claro, são vozes sem emoções. Mas as vozes públicas estão se despedindo das emoções. Veja os aeroportos. Sinto saudades da sensualidade que havia na voz de Íris Letieri que provocava arrepios nas salas de embarque. Falar de Íris Letieri é sinal de velhice  ? Há coisas inesquecíveis, momentos que permanecem, como a voz de Íris, as coxas de Lyris Castelani, os cabelos daquele comercial  : lembra-se da minha voz  ?

A voz da secretária era a de Cecília Thompson, amiga que atravessou comigo, desde os primeiros dias de minha chegada a esta cidade. Não são muitos os amigos cuja ligação permanece com o mesmo afeto ao longo dos 50 anos. A voz de Cecília era vaga e misteriosa. Ela sabe como usar um gancho, despertar a curiosidade. Viveu no teatro e no cinema, foi mulher do Gianfrancesco Guarnieri, seus filhos são atores. Ela me acenou: “Decidida a dar uma reformulada na casa  , encontrei coisas que poderiam fazer a felicidade dos amigos. Uma delas, menina dos olhos do Guarnieri, comprada pelo pai dele em 1934  , tem a sua cara, é sua. Me telefone. “

Acabei levando dias para telefonar por causa da chuva  , por causa do trânsito  , por causa do preço do sorvete. Esquibon. Já prestaram atenção nas desculpas que inventamos pelas nossas displicências  ? Cecília atendeu  , não quis dizer o que era  . Pediu o endereço e foi educada  : “ Se não quiser  , não gostar  , se não tiver, pode devolver, tenho uma fila de amigos querendo. “Riu com ironia. Eu disse que iria buscar, ela foi polida: “Presente a gente manda, entrega em mãos. “ Coisas de tempos antigos  , quando a cortesia existia  . No dia seguinte chegou uma maleta de viagem, pesada.

Dentro, uma coleção completa do Thesouro da Juventude, com 18 volumes azuisThesouro com th mesmo  . A infância retornou e com ela o deslumbramento que o Tesouro ( tiremos o H) provocava em minha geração. Era o correspondente ao Fantástico, ao History Channel, ao Ra – Tim – Bum  , ao Globo Repórter. De tudo um pouco. Só meninos melhor situados, ($$$$) tinham a coleção. Como os filhos  de Alzira Malkomes, vizinha na frente da minha casa. Ah, as coisas da vida!  Passaram-se décadas e os meninos da dona Alzira mergulharam no passado, perdi os três de vista. Eram célebres na rua porque, no fim da tarde, quando as mães se colocavam nos portões a chamar os filhos para o banho e o jantar, se ouvia a voz dela chamando o Zinho, o Tarso e o Kiko. A ordem em que ela colocava os filhos nos encantava: Kiko , Zinho , Tarso ! Devo aos Malkomes instantes iluminados da meninice  .

Por causa do Tesouro, enquanto a molecada ia para a rua, à noite, eu me pendurava no Livro da Terra, da Natureza, da Nossa Vida, nas Cousas Que Devemos Saber, nos Homens e Mulheres Célebres ( daí a paixão por biografias ? ) nas Cousas Que Podemos Fazer, no Livro das Belas Ações ( uma delas era sobre Lady Godiva  e, para mim, a boa ação dela era ter se mostrado nua às pessoas, que beleza ! ) e outras seções. Nenhuma mais procurada que o Livro dos Porquês: Por que crescem as árvores até certa altura e depois param de crescer  ? Caem realmente as estrelas  ?  Por que balançamos os braços quando amamos  ?  Questões fundamentais, o que seria de nós sem tais conhecimentos ?

Nunca meu pai teve dinheiro para nos dar um Tesouro. Lemos os dos outros, em conta – gotas. Era até mais excitante. O tempo passou. Quando tinha 50 anos, uma leitora nos enviou uma coleção  dos livros. Mandei restaurar com carinho. Dez anos depois, outra leitora me enviava nova coleçãoAgora, eram duas. Para meus filhos  ? Ou para Ou para meus netos  ? Então, me chega esta, a que foi do Francesco Guarnieri, amigo que percorreu estrada paralela. Confesso , é a mais preciosa de todas. Quando ela chegou  , tomei uma decisão  : fico com o do Guarnieri  , as outras vão para meus irmãos  , Luiz e João  , que lamberam os beiços pelo Tesouro e nunca tiveram. Ele nos levará  , sem nostalgias  , mas com encantamento à infância, ao nosso pai, à generosidade de Alzira Makomes e seus filhos, a um mundo perdido, ingênuo que nos levava a perguntar: por que balançamos os braços  ? O Tesouro,   hoje, perguntaria: Por que as vozes computadorizadas dos telefones são tão chatas  ?

Cecília Thompson me revelou que deu um dos volumes do Tesouro para um dos netos ler. O menino leu uma página, leu duas, prestou atenção na ortografia de 1934, viu escrito cousas, rachíticas, egualmente, affetar, apparecem, amarello, cahir, e por aí adiante. Cecília explicou: seu avô aprendeu muito nesses livros. O neto abriu os olhos, espantados. Vovô falava português?


Fonte     -        Jornal        -             O  ESTADO  DE  SÃO  PAULO    D 16     CADERNO    2

Sexta -feira  , 30 de março de 2007                  IGNÁCIO  DE  LOYOLA  BRANDÃO


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