terça-feira, 23 de junho de 2020

Políticas de saúde na Covid-l9



Ao longo dos anos , a administração  pública no Brasil , em suas três esferas , padecem  com iniciativas questionáveis nos mais diversos setores sob sua responsabilidade. Medidas paliativas; planos , programas e projetos incipientes  ; políticas  públicas de baixa eficácia, eficiência e efetividade. Essas são algumas das inúmeras causas pelas quais o  Brasil não consegue avançar em temas  vitais para a sociedade , entre eles a Saúde. 

As evidentes agruras no atendimento à população são conhecidas, mas os  gestores  públicos  insistem em tratamentos sem resultados. Os reflexos são sentido hoje com a pandemia  da covid-l9, momento no qual o Brasil mais precisa da Saúde  de qualidade.

Contudo, as soluções propostas para enfrentar a pandemia continuam a sofrer dos mesmos problemas. Como se o problema central do enfrentamento à covid-l9 fosse a ausência de médicos, diversos agentes públicos  insistem em propor medidas vagas, mais baseadas em retórica do que em planos concretos de ação. Entre elas, citamos a antecipação da  colação  de  grau de alunos de medicina, a permissão para médicos  formados  no exterior atuarem no País sem revalidar seus diplomas, e a readmissão dos médicos  cubanos exilados  no Brasil , entre outras .

Os proponentes de tais medidas se esquecem que , se falta médico , falta também infraestrutura deatendimento, ventiladores  mecânicos, leitos da UTI, fluxos  assistenciais organizados  e  testes diagnósticos, aspecto em que o Brasil vem ocupando uma das últimas posições.

Para propor tratamento para uma doença, devemos antes ter um diagnóstico. Em políticas de saúde  esse raciocínio não é diferente, mas está sendo esquecido por muitos agentes públicos . Na covid-l9, o diagnóstico correto é: essa doença leva a uma grande demanda de leitos da UTIs. E é justamente isso que leva ao colapso qualquer sistema de saúde e faz subir a mortalidade. São os pacientes graves, nas UTIs respirando por meio de aparelhos que precisam receber atenção especial das  políticas públicas. Eles que morrerão pela falta de recursos, incluindo médicos.

Feito esse diagnóstico, antecipar a colação dos alunos seria uma solução adequada para o problema que se dá no ambiente em UTIs ? Analisando a formação  médica , sabemos que não . A atuação em UTIs é uma das atividades mais complexas da medicina. Manejar  ventiladores  mecânicos , ajustar seus parâmetros , manusear  vias aéreas , prescrever  drogas  sedativas e lidar com parâmetros  hemodinâmicos são habilidades essenciais  em UTI . Por sua complexidade , para formar um bom profissional, é necessário a investir em anos de residência  médica que tenha em seu currículo o treinamento em UTI.

Assim, é correto assumir que um aluno de medicina que nem mesmo concluiu sua formação está apto a exercer adequadamente essa atividade? A resposta também é não , pois além de não garantir assistência  qualificada ao paciente , ele será exposto a um cenário complexo , para o qual ele ainda não está preparado profissional e  psicologicamente. Da mesma forma , não podemos aceitar que médicos  formados no exterior atuem sem comprovar que possuem as habilidades  necessárias, uma vez que vemos uma proliferação  de faculdades de medicina  na fronteira, muitas das quais nem mesmo hospital a escola tem.

A realidade que ninguém quer ver é que faltam médicos especializados  em cuidados  intensivos. Dados do  Conselho  Regional de  Medicina do  Estado de São Paulo mostram que há apenas novecentos e três profissionais  registrados, em todo o Estado, especializados em  Medicina  Intensiva . A situação é pior  em outros cantos do país e se deve , entre outros motivos  , por   políticas públicas equivocadas do passado ,  que levam à  desvalorização da residência  médica no País.

O que vem sendo feito , como  medidas  desesperadas e irresponsáveis, é uma tentativa para remediar um grave  problema  sistêmico . Apenas para ilustrar , nos últimos tempos  , o SUS  perdeu cerca de  mil leitos  hospitalares e os os hospitais universitários federais e as Santas  Casas estão em  frangalhos . Com a covid-l9 , esse cenário agora salta aos olhos . Enquanto isso , governantes e legisladores desviam dos reais problemas da  Saúde  e da pandemia  e focam em medidas simplistas , jogando  uma  cortina  de  fumaça  sobre o problema real .

Como ensina a boa prática  médica , o diagnóstico preciso e o tratamento  correto nascem após a anamnese  detalhada e  cuidadosa . Se aplicarmos esses princípios  à formulação, implantação e avaliação  de planos, programas e projetos  em Saúde no país, para combate à covid-l9, talvez nos libertemos das discussões  demagógicas e consigamos, enfim enfrentar esse desafio enorme.

Fonte  - Jornal  A  TRIBUNA   -  pág A-dois 
Sábado , dezesseis de março , dois mil e vinte   -  Tribuna  Livre
IRENE  ABRAMOVICH . Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo 

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