quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Frankenstein e a política

 Editorial


Há exatos duzentos anos, um grupo de  amigos, reunido na casa do  poeta  britânico  Lord Byron, passou  parte do  verão lendo em voz alta  estórias de  terror até tarde da noite. Entre os convidados estava  Mary  Shelley, com apenas  l8 anos. Alguém propôs que cada um  dos presentes criasse e escrevesse sua própria de terror. Foi assim que, após um sonho  impressionante, a autora de  “ Franskenstein “ teve a ideia que deu  origem ao livro.

Frankenstein foi um  cientista  brilhante que descobriu o segredo da vida . Foi o que lhe permitiu criar sua criatura – um verdadeiro  monstro  - , com pedaços de cadáveres . Mas , quando viu o que tinha feito , fugiu horrorizado . O  monstro , confuso ao se ver abandonado por seu próprio  criador , revoltou-se contra ele e destruiu-lhe  a vida.


Mary  Shelley entitulou seu livro de  “ Frankenstein ; ou , o  Prometeu  moderno “ , em referência  ao  mito  grego . Na versão contada por  Platão  , Prometeu , vendo a  fragilidade  natural  do  homem em relação aos  animais ,decidiu dar-lhe  o fogo e a técnica ,roubados de  Hefaísto e Atena.

Assim , “ o  homem obteve o conhecimento útil à vida , mas  a  política escapou-lhe : esta estava com  Zeus .

Platão distingue entre técnica e política . É perfeitamente possível – e a  história  da  humanidade tem confirmado isso desde , então – que coexistam  lado a lado um grande avanço tecnológico e a deterioração  ética  e  política  da  sociedade .

Talvez  o  maior  mal  da  humanidade nos últimos  séculos seja a prática da  política como técnica.

A política é uma prudência, não uma técnica. Para ser  prudente , é preciso possuir  as  virtudes  morais, mas para ter técnica, não.

Uma técnica - ou , como se diz hoje , uma tecnologia  - é um dos  conhecimento  produtivo, pelo qual o  homem cria uma coisa , como uma casa  ou uma  pasta  de  dente . A técnica consiste  em construir algo, conforme um projeto , como uma  casa é construída seguindo o plano do arquiteto.

arquiteto – desde que respeite certas regras para que a  casa fique em pé – pode desenhar a casa do jeito que quiser. 

Na técnica , a  finalidade é livre , é o que estiver  na  cabeça  do  artista. Já na  política , como  na ética , o fim não é livre , o fim é o  bem comum. Mas não é possível buscar verdadeiramente esse fim sem virtude .

No  século  passado, o projeto  da  sociedade perfeita foi a causa do maior  sofrimento que a história  humana jamais conhecera até então . Comunismo  e  nazismo foram  responsáveis por dezenas de  milhões de  mortos. Como o  monstro de  Frankenstein , essas criaturas se voltaram contra  a humanidade que  as  criou.

Mas a  política como  técnica continua em prática ainda hoje . A ideia  da  política como  técnica é também o que está por trás das críticas ao “sistema “. Quando se defende, por exemplo, que o problema do Brasil é um certo "sistema",  que o caminho a seguir é o de alguma reforma estrutural  mirabolante ,o que se está buscando é , no fundo , uma solução  técnica para um  problema  moral.

Platão reconheceu que a  política , a verdadeira  sabedoria  política , não se confunde com a  técnica , mas está junto   à  divindade . Para que a  política seja praticada como prudência ,é preciso políticos melhores  e  mais  sábios . E como os  políticos refletem  a  sociedade , é preciso que nos tornemos  nós mesmos  melhores  e  mais  sábios , com  esforço e uma  educação voltada para  a  virtude.


Fonte  -  Jornal  O  SÃO  PAULO   -  pág dois   - Ponto  de  Vista 

Treze a  Dezessete  de  maio de dois mil e dezesseis  - Editorial

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