segunda-feira, 29 de agosto de 2022

O método da democracia

 



Na elaboração das oito constituições básicas na  história do País , a participação popular -quando houve – foi pequena .Por essa razão ,veio crescendo aspiração por uma Constituinte democrática , livre e soberana. 


Constituição é a lei suprema de um Estado ,a lei regula a maneira de  o país se organizar politicamente e escolher  seus governantes , que define sua  ordem econômica e social e discrimina os  direitos políticos e culturais de seus cidadãos .

Pela sua importância ,as constituições só deveriam ser elaboradas de  forma  demo-crática ,com ampla participação popular .No entanto ,é comum que as constituições sejam feitas de modo autoritário . Uma Constituição é elaborada de modo  autoritário quando o governo encarrega uma comissão de  especialistas de  redigi-la e depois a promulga sem nenhuma consulta popular .No máximo , para legitimar-se , recorre à ratificação por um Congresso enfraquecido e pouco representativo ,ou então organiza um plebiscito , em que o povo é chamado a dizer simplesmente sim ou não , mas sem nenhuma possibilidade efetiva de discutir a  Constituição proposta ou reformulá-la .

Para fazer uma  Constituição de  modo democrático é preciso que sua elaboração seja confiada a uma Assembleia Constituinte dotada de plenos poderes , integrada por -  representantes  eleitos livremente  pelo povo e convocada especialmente para preparar e votar a  carta constitucional . A convocação especial  ,a  preparação através de um  amplo debate e a  livre eleição de assembleias constituintes é , portanto , o método democrático para elaborar as  constituições dos  Estados e decidir sua organização política , econômica e cultural com a participação de seus cidadãos . 

Se o recurso a  assembleias constituintes soberanas e  livremente  eleitas é o  método democrático comum para a elaboração de constituições,seus resultados serão mais ou menos democráticos ,dependendo , por um lado , do nível de consciência política e de organização independente já alcançado pelo povo e, por outro lado ,das restrições que ainda sejam mantidas ao debate de ideias e à escolha de candidatos e também do poder econômico e da  influência  ideológica que os  donos do poder antigo ainda  conservem . Naturalmente , uma  Constituição será tanto  mais democrática quanto maior e  mais livre for a  participação  popular na  eleição e nos  debates da  Constituinte e quanto mais elevado for o nível de organização e  consciência política do povo .

O  Brasil ,por exemplo, desde que se libertou do  domínio português já teve oito constituições , mas apenas  três foram feitas por  constituintes ; e nenhuma delas se pode afirmar que a participação das  corrente populares foi decisiva .A Assembleia Consti tuinte de  1823  foi dissolvida por  dom Pedro I , que promulgou  autoritariamente a  Constituição  Imperial de 1824 . Após a  proclamação da República , coube a  uma  Assembleia Constituinte elaborar a  nova Constituição , mas a  representação popular nessa Assembleia praticamente inexistia . A  Carta de 1891 foi revogada pelo  movimento revolucionário de 1930 e só em 1934 o País conquistaria uma  nova Constituição ,ainda
desta vez preparada por uma Assembleia Constituinte.Teria vida   curta ,  porém,a Constituição de 1934 .Em 1937 ,um golpe de inspiração fascista a revogaria , instituindo autoritariamente uma nova Constituição ,redigida por Francisco Campos .

Em 1945, o Estado Novo viria abaixo e , no bojo do  movimento democratizador , foi convocada uma  Assembleia   Constituinte que elaborou e  votou a  Constituição   de 1946.  Essa foi a  Constituinte  brasileira que contou , até hoje , com a  maior participação das  correntes populares e nacionalistas . Ainda assim , as  correntes  liberais -conservadoras , representativas dos  grandes empresários e fazendeiros , detinham nítida hegemonia ; e estavam representados na  Assembleia até setores políticos vinculados ao  regime ditarial que acabava de ser deposto . Tal composição refletia o estágio de  consciência política e de organização das camadas populares e decorria também das condições ainda restritivas em que a Constituição foi eleita .Em consequência,a  Constituição de 1946 traria a marca da  Assembleia que a elaborou . O traço predominante era conservador, mas ela não pode deixar de acolher algumas medidas em defesa de independência nacional e dos  direitos dos trabalhadores .

Após 1964 , a Constituição de 1946 começou a ser revogada parceladamente e  terminou  sendo substituída , em 1967 , por uma  nova Constituição , promulgada por Castello Branco , depois de ter sido submetida a referendo rápido e formal por parte de um Congresso muito enfraquecido em seus poderes e  bem pouco representativo .

Durou pouco, no entanto , a Constituição de 1967. Já em 1969 era substituída por uma nova carta , a  chamada  Emenda Constituicional , outorgada pela  junta dos ministros militares , quando nem o Congresso estava reunido.

Para agravar ,a nova Constituição , em vigor até 31 de dezembro de 1978 ,continha um original artigo  o de n° 182 , em que se suspendia a si mesma ,  pois mantinha em  vigência o  Ato Constitucional n° 5 , que revogava muitas das normas constitucionais e funcionava , portanto , como a verdadeira lei superior do País .

Mas ,de 1967 até 1984, o País praticamente não viveu sob o  império de uma Constituição , e sim sob o  domínio dos  atos constitucionais . No dia 9 de abril de 1964  foi  promulgado pelos  militares o  Ato Institucional que depôs o presidente ,cassou mandatos e alterou  os  poderes do Executivo e do Congresso .Este primeiro ato , que seria o único e portantonúmero , deveria vigorar apenas até  13 de janeiro de 1966 , data da eleição direta de um novo presidente . Em outubro de 1966 , no entanto , após a  vitória da  oposição nas elei-ções no Rio eem Minas , foi editado o  Ato Institucional  n° 2 ,  que limitou os direitos e garantias individuais e dissolveu  os  patidos políticos .O AI -2 vigorou até 15 de março de 1967 , quando tomou o posse o general Costa e Silva .De março de 1967 até 13 de outubro de 1968 ,quando foi editado  o AI- 5  , o País viveu sob o regime da Constituição de 1967  ; de outubro de  1968  até o fim de  1978  , "  a lei suprema do País  " ,  como  dizia o  então  senador  Paulo Brossard , foi o AI-5 , aplicado por decisão por  decisão exclusiva do  presidente da República e dos altos comandantes militares . Sob a proteção desses  atos foram decretadas ,editadas ou votadas inúmeras leis , como a  Lei de  Segurança Nacional a  Lei de Impressa ,a Lei de Greve , a Lei dos Dissídios Coletivos  , o  Fundo de Garantia por  Tempo de Serviço. Foram tantas as leis que alguns juristas definem o  direito atual como uma " selva jurídica  " . Para os trabalhadores , uma das mais nocivas foi a  Lei de Greve , de 1° de julho de 1964 , estabelecendo condições que tornaram o exercício legal desse direito secular praticamente impossível em nosso país .

O último ano de vigência do AI-5 foi em 1978. Em 1977 , o então presidente Ernesto Geisel tinha fechado o  Congresso Nacional, que se recusara a aprovar uma reforma do  Judiciário que o tornaria ainda mais centralizador . Com o Congresso fechado , o general-presidente aproveitou , então , para impor também um conjunto de medidas que , supunha , iriam garantir o  poder nas  mãos das forças que haviam participado do  movimento de  1964   até perto do fim do século: suspendeu as  eleições diretas para governador previstas para 1978;introduziu no Senado um  terço dos senadores escolhidos pelo  processo indireto -que se tornariam popularmente conhecidos por  "  biônicos "  ;  e modificou as  regras das eleições do  presidente da República , mantidas como indiretas , de modo tal que o  partido do  go-verno pudesse "eleger" o presidente de  1978 e 1984 , mesmo sofrendo , como se 
via ,grande derrota nas eleições de  1978 e 1982 .

A 20 de setembro de 1978 é votado o projeto de reformas políticas do governo Geisel , que revoga o Ato Institucional n°  5 e institui no seu lugar , um plantel de poderes de arbítrio a serem concedidos ao presidente da República durante o  " Estado de Sítio  " , situação  excepcional prevista em quase todas as  constituições brasileiras , e as " Medidas e Estados de Emergência ", novidades na legislação brasileira .

Constituinte :  quem convoca ?

O governo tentou vender as reformas sendo um avanço decisivo no processo de reconstitu-cionalização do país . O fim do AI - 5 deveria ser um  argumento decisivo . O  País deixado , então , de  viver sob o regime de arbítrio , ditatorial  -  no qual o   presidente  tudo  podia  , mediante a simples assinatura de atos institucionais .A partir de 1° de janeiro de 1979,passaria a ser  governado por uma  Constituição , à qual o próprio primeiro mandatário deveria curvar-se  . A uma diferença seriam os  poderes excepcionais de   "emergência "  .  Estes , porém ,seriam indispensáveis , dizia-se , a um Estado moderno . 

A oposição ,no entanto , não aceitou o argumento . seu partido , o Movimento Democrático Brasileiro ( MDB) , votou maciçamente contra . Alegou , com razão , que as mudanças significavam enfiar parte do  A I- 5pela porta dos fundos da Constituição , pois permitiam ao presidente a   censura à imprensa, à correspondência e às comunicações ; a suspensão dos  di-reitosde reunião e associação ; e a busca , aprensão e intervenção nas  entidades de classe e representativas . Para maior flexibilidade do arbítrio , os " estados de emergência " , com as mesmas restrições de direitos podem ser aplicados em áreas restritas como um estado , um município , ou mesmo um prédio ou repartição. As situações em que os poderes ditatoriais são permitidos , de tão vagas - instituições ameaaaçadas gravemente por " fatores de subversão "  nas entidades de  classe e representativas .Para maior flexibilidade do arbítrio , os " estados de emergência " , com as mesmas restrições de  direitos podem ser aplicados em  áreas restritas , como um Estado , um município , ou mesmo um  prédio ou repartição . As situações em que os  poderes ditatoriais são permitidos , de tão vagas - instituições ameaçadas gravemente por  " fatores de subversão " , por exemplo - , admitem que o presidente as invoque de modo igualmente arbitrário . O tempo em que se pode aplicar a exceção estende-se até por meio  ano, ainda  prorrogável. E os  conselhos para decisão das  " emergências se resumem em última instância ao próprio presidente : para decretar o  " estado de sítio "  ,  o  presidente deve ouvir o   Conselho de Segurança Nacional , formado pelos ministros de Estado e representantes dos órgãos de segurança -  ou seja , pessoas nomeadas por ele . Para aprovar as  " "emergências " foi criado um " Conselho Constitucional ",formado  pelo presidente , o vice , os presidentes do Senado e da Câmara, o ministro da Justiça e um representante das Forças Armadas . Ou seja , como era o caso ainda em 1978 , homens afinados totalmente com o presidente , por serem todos de seu partido , a Arena.

Provas de que a oposição tinha razão se acumulariam logo a seguir . Em agosto de 1982 , o Jornal do Brasil fez um balanço das leis aprovadas desde janeiro de 1979 : dos 6.400  projetos apresentados pelos parlamentares , nenhum foi convertido em lei ; e dos  390 apresentados pelo Executivo , apenas um - o que vetou as sublegendas para as  eleições  de governadores - foi rejeitado .

Ou seja , o regime ditatorial persistia : o Legislativo estava brutalmente restringido por mecanismos estabelecidos  : não podia baixar leis sobre  finanças , segurança , despesa pública ; não tinha fórmulas para rejeitar as  leis vindas do Executivo  , pois este podia aprová-las sempre pelo instituto do chamado " decurso de prazo " ; e quando ameaçava decidir segundo os  interesses populares   -   como no  caso de  sucessivas votações de emendas propondo  eleições  diretas para presidente no início de  1984  , via-se  ameaçado pelos poderes de arbítrio do primeiro mandatário . 

Daí a reclamação de  setores sociais cada vez mais amplos pela  normalização constitucional do País . E o  caminho para isso não podia ser outro senão a  elaboração de uma nova  constituição , por uma  Assembleia  Constituinte  soberana e livremente eleita .

Fonte - Revista  Retrato  do   BrasilGoverno  Franco Montoro - Secretaria da Educação
Fundação Liveo Escolar  -  Diretor de Redação  -  Mino Carta  -   Editora Política -  1984

Distribuição Gratuita   -  POLÍTICA / REGIME : história das constituições e constituintes brasileiras   - págs 3,,4 e 8

Constituição e  Constituinte 

 A  lei  máxima  do  País - a Constituição - só  deveria  ser  feita  com  a  máxima  participação  de  todos   . Não  tem  sido  assim ,  na  nossa  história . mas  é o  que se  pretende . E  é  o que  explica  o  vigor  da  luta  por  uma  Constituinte  livre  e  soberana .



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