sexta-feira, 27 de setembro de 2024

UM ESPAÇO PARA O HOMEM

 




Para  desmitificar  o espaço ,cumpre levar em  conta dois  lados essenciais de  um lado  a  paisagem , funcionalização da estrutura  técnico - produtiva e lugar da fetichizações de  outro , a  sociedade total , a  formação  social que  anima o  espaço .Por  conseguinte , cabe-nos também  desmitificar o  homem . 

Vemo-nos ao mesmo tempo diante de um problema de  conhecimento e diante de um problema  moral .

Desfetichizar o  homem e o espaço é arrancar a  Natureza os  símbolos que ocultam a  sua   verdade , vale dizer :  " tornar significante  a Natureza e tornar naturais os  signos " ( Gillo  Dorfles , 1972 ) é revalorizar o trabalho e  revalorizar o  próprio homem ,para que ele não seja mais  tratado  como valor  de  troca .

 Poucos geógrafos e  cientistas  sociais suspeitaram que toda  discussão  filosófica em  torno da perce- pção e da  objetividade os interessava , da mesma forma  que a  metamorfose  do    universal em parti-cular ,de essência na  existência , que  constituem a  base mesma de uma fenomenologia  da  Natureza . A  discussão teórica limitou -se , a princípio , ao  diálogo  homem - natureza , mas essa discussão apre-sentava-se  sob uma  forma  dualista .

Permaneceu -se na ideia de que  a  percepção não se referia  ao sujeito  nem tampouco ao   objeto , de que o comportamento era  estranho às determinações  sociais ,  como  se  a práxis  individual de cada uma  reunida  às  práxis individuais dos demais desse como resultado a  práxis  social em sua  totali-dade  quanto ao  espaço fetichizado  e a  Geografia tornou-se ideológica  , hostil ao  real .

Enquanto neste mundo é regido pela  lei do movimento , as ciências do homem deter o pensamento e  dissociar -se da  dinâmica  social isto é , da  realidade . Quando o  método está aquém da  descoberta , as  ciências  humanas ficam atrasadas em  relação ao  futuro e  mesmo  em  relação  ao presente , por  trabalharem  unicamente com o  já feito .

Deveríamos fazer da  autocrítica um  ato de  consciência assim como  Saul  Bellow o fez em  relação  aos escritores quando  recebeu  o  Prêmio Nobel de  Literatura  de 1976 , ao dizer :  " Nós  não  repre-sentamos a  humanidade  de  maneira adequada " . 

Certo ,nós  não  mudaremos  o  mundo , mas  podemos  mudar o  modo de  vê-lo . Isso  é   importante porque só assim  poderemos escapar  ao dogmatismo epistemológico e   marcar  um encontro com  o  futuro . Precisamos , ainda  uma vez , recorrer a  Sartre  (1963 , p. 96 )   "homem como  perspectiva do  futuro , e que  esse  futuro penetra até o  coração de  cada um como uma  motivação real ao  seu  com-portamento " .

Haveremos  então de  construir uma  outra  moral , aquela  reclamada  por  Eric  Fromm (  1976 ) para a  humanidade  rejuvenescida , moral em que o  ser ultrapassa o  ter , em que    a  generosidade ultra-passa o  egoísmo . Mas uma  moral é  também um  programa  político ,  caso  não  queira  esgotar -se na  retórica . Se , como afirma  V. Ferkiss (  1969 ,  p. 101 ) , essa filosofia " é  essencial se  quisermos sobreviver como seres  humanos numa  sociedade   humana " , devemos então  bater -nos  para que ele triunfe , fabricando os  instrumentos teóricos e  práticos da  reconstrução .

Devemos nos preparar para  estabelecer  os alicerces  de um  espaço  verdadeiramente humano , de  um espaço que  possa  unir  os  homens  para e  por seu trabalho ,mas não para em seguida  dividi -los  em  classes , em  exploradores  e  explorados ; um espaço matéria - inerte que seja trabalhada pelo  homem mas não  se  volte contra  ele ;  um espaço  Natureza  social  aberta  à  contemplação  direta dos  seres  humanos , e não  um fetiche ; um  espaço  instrumento de reprodução da  vida , e não  uma mercadoria  trabalhada por  outra  mercadoria , o  homem  fetichizado . 

 Fonte  -  Pensando  o  Espaço  do  Homem  - págs  39  a  41  Editora da  Universidade  de  São  Paulo  - 5a Edição  (  2021 )   MILTON  SANTOS  



" Quando a  divisão do  trabalho  e a  cooperação perversa por ela  ocasionada se  estendem à  escala  do  planeta, o  mundo como  espaço  se  torna  espaço  global  do  capital " .

Milton  Santos está a  nos  dizer que  o  mundo da  mercadoria se  tornou o  mundo ;  que a  universa-lidade abstrata do  dinheiro  ( capital  por  excelência) atinge o  mais  recôndito dos lugares e as  mais  finas , as  mais  tênues  relações ; que  ao  indivíduo , sujeito  histórico  gestado no longo processo de mundialização  do capital, vai  sendo  negada a  individualidade , restando -lhe a  competição  genera-lizada  ; nestes  termos , a vida se  estabelece no  irrisório , dominada pela  pobreza com  os  seus  múl-tiplos sentidos .

Mas  como  Milton  Santos  desconfiava que  isso não poderia encerrar  a  História inteira , deixou a  mensagem de  que  "  é  inútil imaginar  que  a  pobreza poderá ser  eliminada sem  a  eliminação da  atua  estrutura de  produção os  investimentos  do  consumo " .  " A produção  viabilizada pelas  reais  necessidades da  maioria da  população deve ser  solidária   com essa . Não  mais  se  tratará de uma  produção autônoma como  até agora , mas  estritamente  ligada ao  consumo da  sociedade como  um todo " .



  

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