terça-feira, 17 de outubro de 2017

Vida e missão neste chão






Costumamos pensar a Amazônia como sendo o estado do Amazonas. Mas a Amazônia é muito mais. É todo território latino–americano, inserido na Bacia Amazônica, isto é, são terras banhadas pelo sistema fluvial  Amazonas-Solimões–Ucayalli. Por isso a Amazônia é pan–americana. Já foi chamada de “ Eldorado “, por suas imensas riquezas de “ Inferno Verde “ e de “ Pulmão do Mundo . Água e floresta ali construíram uma estreita e desafiante relação. A maior parte desse território fica no Brasil, formando a Amazônia Legal Brasileira.
A  Amazônia Legal Brasileira está formada por dez estados: Acre, Amapá, Amazonas, Goiás, Pará, Rondônia, Roraima  e Tocantins, e partes do Maranhão e de Mato Grosso.
O primeiro ex-voto que encontrei, vindo da Amazônia, caracteriza muito bem o problema da devastação de nossa floresta: uma tora de madeira de lei, sendo sangrada por serrote e moto serra. O autor é desconhecido, mas se identifica muito bem com os milhares de amazoninos, prejudicados por madeireiras inescrupulosas que devastam essa região.
Outros ex-votos, também anônimos, são esculturas de lindas aves, naturais de Mato Grosso. Também essas aves são objetos da cobiça de predadores que as caçam para um comércio ilegal, ou da ave, ou das penas tão bonitas. Que o digam as escolas de samba do Rio de Janeiro. Embora proibidas, ostentam magníficas plumagens em seus carros alegóricos. A procedência desses ex-votos é identificada com poético nome  TERRA DOS DIAS APAIXONADOS.
A riqueza maior da Amazônia é traduzida em seus povos  e seus valores. Uma sociedade pluriétnica ( diferentes raças ), pluricultural e plureligiosa. Povos diferentes e religiões diferentes convivem, às vezes em conflito, nessa imensa região. Desses povos, dos indígenas e seringueiros, Chico Mendes disse: “Enquanto houver indígenas e seringueiros na Floresta Amazônica, há esperança de salvá-la “. Em 1989 foi celebrada a Aliança dos povos da Floresta, entre os povos Indígenas e os povos extrativistas, os seringueiros, contra os grandes projetos de destruição da Amazônia. O ritual contou com a troca do COCAR, representativo das culturas indígenas, e da PORONGA, representativa da vida dos seringueiros. É com a poronga que o seringueiro extrai o látex da árvore da borracha. Da Sala das Promessas foram levados para o Museu do Santuário cocares e uma poronga, deixados ali como ex-votos.
Com exceção dos indígenas, a população da Amazônia é formada, na sua maioria, por migrantes. O ciclo da borracha atraiu para a Amazônia um processo migratório de migrantes do nordeste brasileiro. Além da migração de comerciantes turcos, sírio-libaneses e judeus, muitos missionários estrangeiros para cá vieram e continuam chegando.
Religiosos e religiosas desempenham um papel no qual a mística da opção pelos pobres levou muitos deles a deixarem um primeiro mundo e tentarem concretizar uma Igreja com rosto amazônico. Nessa busca, alguns imigrantes religiosos derramaram seu sangue, oferecendo suas vidas pelo projeto do reino. Alguns deles: Padre João Bosco Burnier, Padre Josimo Moraes Tavares, nosso ex-aluno no Seminário Bom Jesus de Aparecida; e Irmã Doroty Stang que compõe o painel das mulheres da Igreja, na ala norte do Santuário Nacional.
Para esses imigrantes religiosos, ofereço a mensagem deixada pelo ex-voto, vindo da Amazônia: “Na história de cada imigrante há sempre um navio partindo de um porto distante“.

Fonte      -         REVISTA  DE  APARECIDA   págs  12 , 13
  200 7     -        SALA   DAS   PROMESSAS    ZILDA   RIBEIRO


O testemunho  de  DOROTHY

  dez  anos, a chuva  da  Amazônia levava para  as  entranhas da  terra  o sangue de Irmã  Dorothy Stang. Cinco balas alvejaram a religiosa, tentando barrar a luta por justiça numa terra sem lei dominada pela destruição da floresta e dos mais pobres.
 
A  PRIMEIRA bala cruzou o caminho de Dorothy em 1970, quando em Coroatá – MA  grupos de mulheres que se organizavam para sair da exploração dos sete grandes fazendeiros que oprimiam os pobres da região. Ela não foi atingida e seguiu sem medo as missão. Mais de 30 anos depois, outro fazendeiro mandaria outros pistoleiros. Cruzam novamente o caminho da freira, agora sozinha, vítima que tomba como as árvores  da Amazônia.

Dorothy Mae Stang nasceu em 1931. Desde 1950 pertencia à Congregação das Irmãs de Notre Dame de Namur. Ingressou jovem na vida religiosa em sua terra Natal, Ohio, nos Estados Unidos. Atuou sobretudo no campo da educação, em diversas escolas, e sempre se distinguiu pela solidariedade.
Chegou ao Brasil em 1966, com os bons ares do Concílio Vaticano II e no início dos anos de chumbo  , que estavam se abatendo sobre o Brasil depois do golpe de 1964  . Ela e mais cinco religiosas estudaram no Centro de Formação Intercultural  ( CENFI) em Petrópolis – RJ por seis meses para aprender a língua, a história, a cultura e os desafios da nova missão.
Da Cidade Maravilhosa foram a Coroatá – MA, ajudar dois padres italianos que viviam na cidade com 12 mil habitantes e atendiam mais de 100 mil pessoas da região. A assistência religiosa no interior do Maranhão era feita por meio das “ desobrigas , visitas que os padres faziam às localidades para administrar os sacramentos. As Irmãs de Notre Dame da pequena comunidade ficaram surpresas pela maneira como a Igreja se organizava, e logo começaram a implantar as atualizações trazidas pelo Concílio Vaticano II que propunha o protagonismo do leigo e a maior articulação da Igreja com a sociedade.
A experiência anterior de Dorothy como professora foi fundamental para a sua missão. Formava líderes, ajudava na alfabetização, na organização dos trabalhadores e fundou sindicatos. Ajudava as pessoas a se organizarem, montou um laboratório para diagnosticar verminoses e fez curso de obstretícia. Coroatá reconheceu na pequena freira uma alma grandiosa e lhe conferiu o título de cidadã honorária do município, em 1974.

Entre  o  mais  pobres 

A abertura da rodovia Transamazônica arrastou as pessoas mais pobres em busca de oportunidades. Havia a ideia de que o progresso passaria pela rodovia iniciada em 1970 e nunca concluída. Em 1974, Dorothy seguiu o caminho de esperança que os pobres estavam trilhando e foi para a cidade de Marabá  - PA. Continuou sua ação, sobretudo nas Comunidades Eclesiais de Base ( CEBs ) , refletindo com grupos a Palavra de Deus para iluminar a realidade.
Em 1982 , o coração de Dorothy sentia que era hora de bater com o coração da floresta. Partiu para as margens do rio Xingu, para leste da Transamazônica, onde o bispo de Xingu, Dom Erwin Kräuler a recebeu na prelazia.
Ali conviveu com as pessoas mais pobres e foi acolhida em uma família que viva em um barraco de chão batido com dez filhos. Por dois anos pousou ali a caixa com seus pertences e desenvolveu intenso trabalho na formação crítica das consciências e na organização para o trabalho.
Começou a trabalhar no povoado de Anapu, no sul do Pará, e fez muito pela sua emancipação em 1995. Fundou a Associação Pioneira com os lavradores e posteriormente o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Isto proporcionou maior união entre os agricultores que criaram meios para escoar a produção e conseguir insumos de maneira mais acessível.
Em 1998, Dorothy foi mais dentro da floresta, partilhando  a vida dos assentados em Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS). As terras devolutas de Anapu foram entregues pelo governo a 600 famílias que tiveram que lutar contra grandes fazendeiros pela posse da terra.

Calvário
Anapu, às margens do Xingu e da Transamazônica, recebeu o desmatamento para a exploração de madeira e criação de gado como se fosse progresso. No ano 2000, a cidade contava com duas serrarias e mais de 9 mil habitantes. Em quatro anos, as serrarias eram 23 e mais de 20 mil pessoas tinham sido atraídas a Anapu.
A luta de Dorothy se voltou para ajudar as famílias assentadas nas terras do PDS. Dialogava com servidores públicos, promotores de justiça e políticos. Ela conversou com  a Ministra do Meio Ambiente sobre a situação das famílias da floresta e sobre as ameaças de morte que respirava no pesado ar do Xingu. Esteve em Brasília  - DF, visitou deputados e senadores, falou com o presidente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA ) e mostrou o destino trágico que se desenhava para os assentados , para a floresta e para si mesma.
Em 2004 , a Ordem dos Advogados do Brasil ( OAB ) conferiu a Dorothy a Medalha Chico Mendes, e a Assembléia Legislativa do Pará a declarou cidadã honorária.

Muitos perseguidos
O  artista  plástico  Claudio  Pastro  colocou  a figura de Dorothy   nos azulejos que enfeitam o  Santuário de Nossa  Senhora  Aparecida  como uma das santas mulheres. Além da pintura artística, ela representa os perseguidos  da  Amazônia.


Fonte   -  Revista   O MÍLITE
págs 35 a 38  Atualidade   2015


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