quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

100 de samba - MEU TEMPO É HOJE





Acabou em  samba...
Artur  Azevedo  exaltou  o  carnaval  da periferia  carioca em  peça  de  teatro.
O  resultado  foi  uma  comédia  contagiante 

MÚSICA  POPULAR,  A  CAPOEIRA  E  A  DANÇA  gingada dos mulatos ganharam o carnaval de 1908. E não foi só nas ruas do Rio de Janeiro, mas também no palco do teatro, com a estréia da peça " O Cordão ", de Artur Azevedo ( 1855 -1908 ). Em cena estava a maior festa popular brasileira, retratada por um grupo de divertidos foliões dos subúrbios do Rio de Janeiro. A peça trata, com muito humor, das dificuldades econômicas das camadas sociais mais baixas. E revela os preconceitos das classes média e alta em relação aos pobres e seus costumes.
A obra de Azevedo se caracterizava por mostrar os costumes brasileiros com simplicidade, mas seus colegas o criticavam por conta da grande popularidade de seus textos e por eles se afastarem de gêneros eruditos, com alta comédia, a tragédia e a ópera. Havia muita ansiedade no meio intelectual para tornar o Brasil um país tão " civilizado " quanto a Europa depois das transformações sociais promovidas pela Abolição e pela República. Se, por um lado, havia um refinamento literário representado por escritores como Machado de Assis, por outro, o povo iletrado se divertia com as festas populares " O Cordão " mostra como Azevedo conseguiu entreter o povo, retratá-lo, e também agradar a seus colegas de Academia.
A oposição entre o carnaval dos pobres e dos ricos é apresentada por Azevedo, que divide os personagens em dois grupos. Um é composto de pessoas formalmente educadas, com emprego fixo: dois rapazes, os funcionários públicos Gastão e Alfredo; suas namoradas, Florinda e Rosa, educadas por um padrinho general; e um conselheiro. No outro grupo estão os participantes assíduos do Cordão Carnavalesco Foliões do Itapuru: Remígio, o pai das moças enamoradas, e seus companheiros de folia, todos pobres e analfabetos.
Os cordões também chamados de zé-pereira, eram os grupos de carnaval de rua, nos quais desfilava, democraticamente, toda a população. Eles pulavam atrás dos desfiles das ricas sociedades, organizações em que os sócios pagavam mensalidades caras para saírem em belos cortejos, com carros luxuosos. A situação lembra hoje o carnaval de rua da Bahia, com seus caros abadás, camisetas obrigatórias para quem quer acompanhar os trios elétricos do lado de dentro da corda, vigiada por seguranças. Quem não paga, os chamados " pipocas ", segue os carros por fora do cordão.
À primeira vista, sobressai no texto de Azevedo a crítica aos costumes do grupo do cordão, expressa pelos personagens instruídos. Alfredo e Gastão, que tinham renda fixa e representam os olhos da sociedade culta diante dos  "bárbaros " do Catumbi - visão preconceituosa sobre a população de baixa renda. Os dois rapazes participam de um ensaio do cordão carnavalesco para observar o ambiente e retirar suas namoradas dali. As moças também desaprovam o ensaio, mas vão ao desfile porque foram obrigadas pelo pai: "Mas eu preciso sair daqui... Imagina que papai nos leva a um cordão carnavalesco" !, é uma das falas de Florinda.
Ao chegar à casa de Salustiano, o mulato presidente do cordão, os rapazes se espantam com as atitudes dos membros do grupo. Eles bebem vorazmente cachaça pelo gargalo de uma mesma garrafa, narram brigas em que seus companheiros de folia foram presos, dançam e cantam em ritmo alegre:

" Ai , ai , ai ! Eu aí  !
Deixa  as cadeiras
Da  negra  boli " ! 

Ao ver o Salustiano pela primeira vez. Alfredo expressa sua opinião nada positiva: " A figura é de um verdadeiro cafajeste . "
Durante o ensaio  , a primeira impressão do rapaz se intensifica. O Contato com os demais participantes do cordão apenas reforça a opinião negativa que Alfredo e Gastão têm ao conversar com Salustiano pela primeira vez. Cada componente do grupo reflete o modo de ser um cidadão carioca marginalizado. A caracterização cuidadosa dos personagens faz surgir aos olhos do espectador um quadro vivo e animado, uma crônica da sociedade do Rio de Janeiro de cem anos atrás.
Suas falas, seus trejeitos  , o modo como tratam uns aos outros são retratados de maneira muito próxima da realidade  . A crítica direta está presente nos olhares e nos comentários dos dois rapazes  , moradores de outra região da cidade  , estranhos à vida daquelas pessoas  . Essa crítica  , no entanto  , não é inteiramente endossada pelo amor  .
Em diferentes momentos da peça , é possível perceber o ponto de vista das pessoas mais humildas  . Após Alfredo e Gastão serem recebidos pelo presidente do cordão  , o primeiro componente a aparecer é o mulato Cazuza, um tipo capoeira, que fazia as autoridades tremerem na sociedade carioca do fim do século XIX . Esses escravos ou descendentes de escravos exibiam suas habilidades de capoeiragem pelas ruas durante o ano todo. No carnaval  a situação se agravava, pois o clima de festa e desordem tornava o ambiente propício às exibições e às lutas  .
Na peça , Cazuza entra em cena " esbaforido , como que perseguido por alguém "  , e assusta Castão e Alfredo . Em seguida, narra e encena, com gírias e golpes, uma confusão iniciada por causa de uma mulata. A polícia interferiu e alguns de seus companheiros foram presos  , enquanto outros  , junto com Cazuza , conseguiram fugir .
A reação dos rapazes diante da extroversão do capoeira provoca risos na plateia. Eles se sentem completamente desconfortáveis com o modo de viver e falar dos membros do cordão. Sem naturalidade  , não sabem como agir  . Os diálogos  são repletos de gírias  :
" Cazuza : Não houve tempo de fugir da canoa  . O miudinho , o Pan-americano e eu arresistimo. Eu dei um banho de fumaça numa praça de polícia que coriscou rente na alegria do tombo: mas veio o reforço, e o Pan-americano foi pegado.

Fonte   -  Fundação  Biblioteca  Nacional     Revista   págs  71, 72,73 e 74
LARISSA   DE  OLIVEIRA  NEVES


Das  festas  nas  salas  das  “tias “ baianas  ao   pandeiro  no  funk,  um  passeio
pelo  samba  ao  longo  das  décadas,  com  suas  marcas,  seus  sucessos   e
alguns  de  seus  maiores  nomes 


10  anos

No princípio é o samba. Ou samba. Ou que outro nome tenham as festas de canto e dança dos baianos na Cidade Nova. Depois, samba vira gênero, tipo de música. Cantado, como o daquele grupo que criou  “Pelo telefone“. Ou dançando, nas salas da frente  de,  entre outras, Ciata, demais “tias“ baianas e seus descendentes. Nos quintais, cultos afros são celebrados com vista grossa da polícia. O samba feito gênero, nascido da umbigada, do batuque, do lundu, da polca e de várias outras raízes, com seus volteios e tiradas sinuosas, confunde-se com o maxixe, a “dança excomungada". É este samba amaxixado – como os do Sinhô, denominado Rei do Samba, e o próprio “Pelo telefone“  - que embala o Rio de Janeiro, inclusive no carnaval, nas três primeiras décadas do século XX.

     
20  anos 

Se os baianos se concentram na Cidade Nova, os ex-escravos egressos das plantações de café do Vale do Paraíba e das regiões do Rio atingidas pela reforma Pereira Passos vão se instalando nos morros e subúrbios cariocas. Muitos dele no Morro de São Carlos  , no bairro do Estácio  , não longe da chamada Pequena África.  Na região e em seus arredores, eles vão criando outro tipo de samba, de linhas melódicas mais longas  ,  menos festeiro  , feito para desfilar e não para dançar. Ao contrário dos baianos, tais ex-escravos eram perseguidos pela polícia em seus desfiles e batucadas. Mas persistiram. E acabaram fazendo de seu samba o modelo do que viria depois. Lá fundaram a primeira escola, Deixa Falar. E dali, do Estácio, saíram para ensinar a toda a cidade que  samba não é maxixe   . Seus primeiros blocos  desfilaram em 1926 . E , já em 1930  ( ano da morte de Sinhô )  , o reino do samba tinha mudado de endereço  .

     
30  anos 

Na década de 1930, a Era de Ouro da canção popular, o samba se estabelece como a música  nacional do Brasil. Ao mesmo tempo em que é adotado pelos compositores da classe média branca, confere aos negros que lhe deram vida o reconhecimento devido. Parcerias inter-raciais se formam. Decreto de Getúlio Vargas permitindo que emissoras de rádio veiculem anúncios  em seus programas dá origem aos cachês e começa a profissionalizar a classe. A novidade da gravação elétrica faz com que cantores de voz pequena, como Mário Reis  e Carmem Miranda, cheguem ao disco, livrando o samba dos arroubos operísticos. Logo, Reis, Carmem e outros se tornam ídolos do rádioO desfile das escolas se oficializa. O samba divide a marcha a preferência dos foliões do Rio. Todo compositor, novo ou consagrado, é praticamente obrigado a contribuir a cada ano com o repertório carnavalesco. Assim, raras vezes, no morro ou no asfalto  , fez-se tanto samba de qualidade como naqueles frutíferos anos.  

      
60  anos

O período é marcado pela bossa nova e pela revalorização do samba. A bossa,  a partir da batida de violão de João Gilberto  ( acompanhando sua voz pequena, mas tecnicamente perfeita  ), produz a mais radical transformação sofrida pelo gênero em seus, até ali, 40 anos de existência. O novo estilo ( mais um estilo do que um movimento  ) mais um estilo do que um movimento que atrai a juventude universitária da Zona Sul carioca. Com seu ritmo, mais assimilável pelo estrangeiro do que o samba tradicional, ele transpõe fronteiras. Várias de suas canções, “Garota de Ipanema“ à frente, viram sucessos mundiais. Enquanto isso, o samba tradicional retorna por meio de eventos que nada têm a ver com a bossa-nova. O primeiro é o Zicartola, casa que por três anos ilumina de samba em sobrado da Rua da Carioca. Depois , shows históricos como “ Opinião “ e “ Rosa de Ouro “ . Grandes sambistas como Cartola  , Ismael Silva e Nelson Cavaquinho voltam a produzir. A nova geração, de Paulinho da Viola e Elton Medeiros  , vem se unir a Zé Kéti  . Musa da bossa-nova , Nara Leão atravessa o túnel para conhecer e gravar gente com três vezes a idade dela, Baden Powell e Vinícius de Moraes  , antes ligados à bossa nova, inventam afro-sambas.


70  anos

É a década em que o agigantamento das escolas de samba – uma festa popular se transformando em ópera de rua - começa a se tornar uma realidade que até os sambistas mais tradicionais terão de aceitar. Acaba vencendo a resistência de Candeias, Nei Lopes, Wilson Moreira e outros sambistas que criando a agremiação Quilombo, lutam para preserva as tradições. Com isso, o samba-enredo vai se adaptando aos novos tempos. Só então, veteranos como Nelson Cavaquinho e Cartola chegam ao disco, enquanto a geração pós-bossa nova  - Chico Buarque  , Caetano Veloso , Gilberto Gil  - sobrevive à dos festivais para criar obras definitivas, incluindo sambas. Compositor, Martinho da Vila se vê transformado em cantor para espanto dele mesmo e torna-se o primeiro  intérprete, em muitos anos, a fazer sucesso com o samba. Clara Nunes abandona o bolero entra em cena com voz e carisma para ser uma espécie de rainha  , trono que com ela disputa Beth Carvalho, outra egressa dos festivais. Pouco a pouco outros sambistas de escola vão ganhar lugar no disco, no rádio e até na TV. A censura, apenas insinuada até 1968, vitima o teatro, os shows e, naturalmente o samba.


Fonte   -   Jornal     -  O  GLOBO                  pág  4

27/11/2016         Segundo  Caderno    JOÃO  MÁXIMO

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