terça-feira, 25 de setembro de 2018

A travessia de Maria



Livro  conta  as  aventuras  da  espanhola  que  cruzou o  Atlântico  no  século  XVI

Uma das mais espetaculares expedições a cruzar o Atlântico rumo à América no século XVI no rastro de Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral, entre tantos outros, é também uma das menos documentadas historicamente. Ancorado em escassos textos disponíveis, um historiador decidiu recriar a lendária travessia – não por acaso a única de que se tem notícia liderada por uma mulher. Para ser mais precisa , uma adolescente. 

A nobre sevilhana Maria de Sanabria tinha apenas 17 anos quando reuniu um grupo de 50 mulheres dispostas a acompanhá-la na improvável aventura de fazer uma travessia oceânica em 1550. Partiram rumo a um mundo completamente desconhecido  e, talvez por isso mesmo , repleto de promessas de vida nova e recomeço. A expedição, que passou por todo tipo de percalço, com doenças graves, naufrágios e ataques de piratas, contava com aproximadamente 100 homens, entre eles Hans Staden, o soldado alemão que quase virou comida de tupinambá quando o grupo chegou ao Brasil.

Misto  de  ficção  e  realidade 

A partir dos poucos textos existentes a documentar a façanha, o historiador Diego Bracco da Universidade de Sevilha, escreveu “Maria  de  Sanabria – A lendária expedição das mulheres que atravessaram o Atlântico no século XVI“. O livro, lançado no Brasil pela Record, é um romance histórico, como define o próprio Bracco, que busca resgatar a história de Sanabria e suas companheiras mesclando-a com doses de ficção.

- O romance histórico procura narrar o passado em toda a sua riqueza e, para isso, propõe fronteiras sutis entre ficção e realidade – explica Bracco, em entrevista concedida por e-mail ao GLOBO. Cabe ao leitor transitar nesse cenário. Também cabe a ele decidir ( e como historiador  eu me faço frequentemente essa pergunta) se é possível recriar vida como a de Maria de Sanabria , prescindindo do amor, do medo e do riso.

O pai de Maria chamava-se Juan de Sanabria, primo do conquistador Hernán Cortés. Ao ser inteirado da destituição de Alvar Núñes Cabeza de Vaca do governo da colônia espanhola no Rio da Prata , em junho de 1547, Sanabria rapidamente se candidatou ao posto que , na época , era garantia de enriquecimento fácil

- A região do Rio da Prata era um território pouco conhecido na época. Havia entre 300 e 400 espanhóis isolados em Assunção do Paraguai. E essa era toda a presença espanhola em 1550 no Rio da Prata, que incluía os atuais territórios de Argentina, Uruguai, Paraguai, parte do Brasil e, provavelmente Bolívia – afirmou Bracco, em entrevista ao “El País “ .

Nomeado em 1549 , Sanabria começou a preparar a expedição, contando com pelo menos três naus, que o levaria ( junto com a família ) às distantes paragens coloniais no Novo Mundo. Quis o destino, entretanto que ele morresse três meses depois de nomeado. 

Não se sabe bem ao certo por que motivos, mas o fato é que Mencía, a viúva de Sanabria, e a filha Maria, decidiram levar a cabo a travessia. Os três navios partiram em 10 de abril de 1550, sob o comando oficial de Alonso de Salazar. No grupo, iam cerca de 50 mulheres, arregimentadas por Maria de Sanabria

- Assunção ( o único centro povoado ) era um lugar onde cada conquistador espanhol tinha dezenas de mulheres indígenas em seu poder – conta Bracco. - Essa carência de mulheres europeias foi decisiva para empreender a expedição. A presença delas era relevante para os planos da Coroa manter uma classe dominante de origem europeia na América.

Mas seriam essas mulheres frágeis submissas que, segundo alguns historiadores embarcaram tremendo de medo? Bracco acha que não, que não há indícios de que fosse assim, e, a partir dessas ideias, começou a construir seu romance

- Imagino que a busca por um bom casamento possa ter condicionado a ida de parte dessas mulheres da expedição Sanabria – especula o historiador. - Mas algumas, talvez, almejassem uma nova vida. Houve quem fez a travessia em busca de riquezas sem limites, fosse na forma de ouro ou ao escravizar indígenas. Houve os que sentiam que renasciam levando o evangelho, mesmo que isso custasse a própria vida. Não faltaram os que se moveram atraídos pelo mistério, pelo desconhecido.

Hans Staden, de fato, integrava a expedição. Foi um dos navios de Sanabria que ele chegou ao Brasil pela segunda vez. Ele já tinha estado no país anteriormente por um curto período.

- Hans Staden embarcou como arcabuzeiro na expedição Sanabria e chegou ao Brasil na caravela que precedeu a naucapitânia confirma Bracco. - Após suportar penúrias nas regiões da atual Santa Catarina , foi buscar auxílio próximo a São Vicente. Ali foi capturado por índios antropófagos e, durante meses, assistiu aos preparativos que deveriam convertê-lo em comida. Conseguiu escapar e regressou para dar graças a Deus , escrever e supervisionar a ilustração de seu relato.

Envolvimento   com  Hans  Staden 

O resto é ficção. E começa num suposto envolvimento amoroso entre a destemida Maria e o arcabuzeiro alemão , em plena travessia marítima. 

- Raras vezes o amor está presente nos documentos oficiais. Por mais que tenhamos as listas de passageiros à Índias, pouco se pode reconstruir sobre as relações afetivas - explica Diego Bracco

-Havia uma grande distância social entre o soldado Hans Staden e a nobre Maria de Sanabria e , claro , não há registro de um romance entre eles.

A expedição das mulheres de fato enfrentou tempestades, doenças, ataques de corsários e naufrágios - intempéries que, nas páginas de Bracco , ganham cores bem mais vividas do que as exibidas em antigos e pouco adjetivados documentos . E Maria de Sanabria acabou se estabelecendo, realmente na colônia, tornando-se mãe, em casamentos distintos, de dois dos mais importantes homens da história da região . 

- O filho que ela teve na costa do Brasil se tornou franciscano. Hernando de Trejo y Sanabria foi um dos grandes protagonistas da vida religiosa e intelectual do Prata. Entre outras circunstâncias , é interessante assinalar que foi o primeiro provincial criollo (filho de europeu nascido nas Américas) de sua ordem, terceiro bispo de Tucumán e fundador da Universidade de Córdoba - enumera Bracco, referindo-se aos fatos mais abordados nas escassa historiografia de Maria. - Hernando Arias ou, como é mais conhecido. Hernandarías, foi filho do segundo casamento de Maria. Entre o fim do século XVI e o começo do século seguinte , ele foi várias vezes governador e o grande protagonista civil e militar do Rio da Prata. Hernandarías é hoje uma figura chave na reconstrução do passado que fazem as Repúblicas de Paraguai, Argentina e Uruguai

A historiografia não registra quase nada sobre a própria María e menos ainda sobre seus atos durante a travessia. Para Bracco, isso, em parte, reflete, uma herança machista . 

- Somos herdeiros de historiografia que privilegiou os que se apossaram de tesouros imensos , conquistaram impérios ou morreram em batalhas - avaliou o historiador. Além disso, as fontes refletem o que determinadas pessoas  num contexto específico, consideram relevante. Salvo exceções, a documentação do século XVI descreve o que interessava à sociedade masculina. Em relação às mulheres em geral e a Mará de Sanabria em particular , há grandes lapsos. Por isso, um personagem difícil de abordar com recursos do historiador e sedutor para a recriação própria do romance histórico. 

Se não houve muito espaço para relatos femininos nos documentos históricos , Bracco trata de escancará-o em seu livro . 

- Em " María  de  Sanabria " se reconstrói o sucedido a partir de uma perspectiva que pretende recuperar a voz das mulheres de meados do século XVI . 

O  mais  irônico é   que  foi  preciso  um  homem  para  fazer  isso.

Fonte    - Jornal      -      O  GLOBO    -  HISTÓRIA 
Sábado, 30 de agosto de 2008      -  Roberta  Jansen 

Tela de Rafael Monleon Y Torres mostra as caravelas Pinta, Nina e Santa Maria.


Arqueólogo  diz  ter  encontrado  caravela  Santa  Maria 

Destroços  que  seriam  da  nau  capitânia  da  expedição  de  Colombo estão  no  litoral  do  Haiti  

LONDRES  E  RIO  - Mais de 500 anos depois de Cristóvão Colombo pisar nas Américas, pesquisadores acharam no mar Caribe destroços que podem ser da caravela Santa Maria, uma das mais integrantes da expedição responsável pela conquista do Novo Mundo. Se confirmada, a descoberta se tornará uma das mais importantes da arqueologia submarina. 

Santa Maria era a nau capitânia, a principal da expedição, onde viajava o próprio Colombo. Partes do que seria a famosa embarcação foram encontradas submersas a cerca de dez metros de profundidade , no litoral Norte do Haiti. Até o momento , a pesquisa concentrou-se em explorar os destroços no fundo do mar, sem muita intervenção , limitando-se a fotografar e medir o tamanho dos objetos

Líder dos estudos , o arqueólogo submarino americano Barry Clifford informou ao jornal inglês " The Independent " que as evidências indicam fortemente "que a caravela seja mesmo do explorador genovês . Para encontrar Santa Maria , o pesquisador se baseou no diário do navegador, além de se orientar por uma fortaleza construída por Colombo, perto do local do naufrágio. Clifford conta que, na verdade, sua equipe já tinha encontrado os destroços há uma década , mas , na ocasião, ninguém se deu conta da sua real identidade. Depois de voltar ao sítio no início deste mês e cruzar as fotografias com dados históricos foi possível afirmar que ali jazia uma das mais embarcações colombianas . 

ACHADO  PODERIA  VIRAR  ATRAÇÃO  TURÍSTICA 

O pesquisador já alertou às autoridades haitianas sobre seu achado. Num primeiro momento, ele e sua equipe vão estudar os destroços no leito do oceano , mas não descartam içar partes do material

- Se escavações tiverem sucesso, e dependendo do estado de conservação da madeira que está enterrada, pode ser possível levantar os restos da embarcação e conservá-los para exposição pública permanente em um museu no Haiti - disse Clifford

De acordo com Gilson Rambelli, professor de arqueologia submarina da Universidade Federal de Sergipe (UFS), mesmo que os destroços estejam contextualizados com dados históricos sobre Colombo, seria preciso ainda coletar pedaços de madeira do casco da embarcação e comparar com o material que era utilizado nas caravelas dos séculos XV e XVI, antes de qualquer confirmação: 

- É preciso verificar os tipos de encaixe , a pregadura , a unção das peças. É como achar um esqueleto humano . Os restos mortais do barco também nos falam muito. 

Caso seja confirmada a identidade dos fragmentos, Rambelli afirma que se trataria de um fato de peso incomensurável. Até hoje , ele lembra, apenas três caravelas foram encontradas submersas em todo o mundo. Por isso , ainda não se sabe muito bem como eram construídas.

- Grande parte de nossa memória sobre elas é de filme de Hollywood, que se basearam em desenhos manuscritos do século XVI . Quando o Brasil quis comemorar os 500 anos do descobrimento, fizeram uma réplica do barco sem ouvir arqueólogos. O resultado foi um fracasso - disse Rambelli, referindo-se à nau capitânia que faria a mesma viagem de Pedro Álvares de Cabral, mas mas quebrou no meio do Oceano Atlântico e teve de chegar ao Brasil rebocada . 

Santa Maria não teve o mesmo destino. Ela chegou a cruzar o oceano, até aportar no Caribe, em outubro de 1492, no evento que é considerado como "a descoberta das Américas". A chegada da expedição se deu ilha de Hispaniola, no atual Haiti. Lá, a caravela se chocou contra pedras e teve de ser abandonada na noite de Natal de 1492. Colombo, que acreditava ter chegado à Índia, seguiu viagem nos outros barcos da expedição e voltou à Espanha para anunciar a nova rota aos Reis Católicos, Isabel I e Fernando II. ( Leonardo  Viveira, com  agências  ) .

Fonte -  Jornal   -  O  GLOBO    - pág 25       -  SOCIEDADE 

Qua.14.5.2014   - 2ª  Edição   -  FLÁVIA  MILHORANCE  , RENATO  GRANDELLE  E  ROBERTA   SCRIVANO 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário sobre a postagem.