quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

A primeira reportagem fotográfica de São Paulo



A primeira reportagem fotográfica de São Paulo

O que teria levado um  jovem carioca  de 25 anos a empreender em   poucos meses de 1862  e 1863 uma ambiciosa  reportagem  fotográfica de mais de 100  imagens de  São Paulo logo de  uma cidade com menos de 50 ruas  e  30 mil habitantes que  nada deixava  prever que se   tornasse  no século seguinte a  maior da América do Sul ?

Graças a descoberta em 1998 de um  álbum desconhecido com 66  vistas de  São Paulo – muitas inéditas - tiradas por Militão em 1862 / 63 tornou-se possível um estudo para reconstituir a totalidade da primeira re-portagem fotográfica da cidade , de mais  de 100 imagens , das quais apenas cerca de 30 eram já bastante desconhecidas e constantemente repetidas nos livros de São Paulo . O livro  Militão Augusto de Azevedo /  São Paulo nos anos 1860 – que publica estudo – resgata o feito extraordinário que representou este retrato completo de São Paulo ,realizado por um recém – iniciado na  arte da fotografia ,que resolveu tirar em alguns meses , uma série de dezenas de  fotos de uma cidade que contava então menos de 50 ruas . Antes da  pes-quisa que resultou neste livro nunca se havia empreendido um levantamento completo da produção de Militão naqueles anos decisivos em que o jovem fotógrafo imortalizou uma cidade ainda adormecida , quase igual à São Paulo colonial de 1800 , mas prestes a ingressar no surto de crescimento mais espetacular do continente no século XX .

Os motivos são vários para  que , no limiar do século  XXI , deva-se considerar o conjunto de imagens dos anos 1860 deixado por Militão como quase milagroso : a extensão e o espoco do trabalho do fotógrafo ,que , quis cobrir  palmo a  palmo as principais ruas da cidade ; a grande qualidade das vistas apesar desua relativa inexperiência ; e seu domínio da complicada técnica da revelação . A sorte também  desempenhou papel im-portante ao permitir que  80 %  do melhor de sua produção chegassem até nós em excelente estado de con-servação ,o que raramente acontece com tiragens dos primórdios da fotografia brasileira , devido ao clima e às vicissitudes por que passaram os originais em papel ao longo de quase de 140 anos .

Mais , ainda que Militião tenha sido o maior fotógrafo de São Paulo no século XIX ,sua obra ficou esquecida durante boa parte do século XX , quando as vistas eram reproduzidas como anô-nimas em inúmeros livros a respeito da história paulistana , Afonso Taunay , o primeiro grande especialista  em iconografia de São Paulo ,identificou corretamente Militão como o autor daquelas vistas em estudos publicados a partir dos anos 1930 , mas depois das comemorações do IV Centenário de São Paulo ,em 1954 , a identidade do artista vultou inex-plicavelmente ao esquecimento.A partir dos anos 1970 ,uma vez claramente identificado Militão como o autor das vistas tantas vezes reproduzidas da velha cidade de São Paulo , os estudos sobre sua obra se concentra -ram em torno do chamado Álbum comparativo 1862 – 1887 , que se tronou mais conhecido quando a prefei-tura de São Paulo publicou duas edições  fac -similares nos anos 1980 .

É fácil de compreender por que o Álbum comparativo suscitou tanto interesse : descobriu -se que o que tor-nou possível sua realização foi o fato de que Militão conservara uma parte dos negativos em vidro da série de vistas da cidade que executara em 1862 e , ao constatar o notável crescimento da cidade ,que havia dobrado de tamanho em 1887 , decidira tirar  novas vistas de  ângulos semelhantes para comparar a evolução urbana naqueles 25 anos .Publicou então , artesanalmente , colando as fotos uma a uma , o Álbum comparativo com-posto de 60 imagens ,que ,conforme esperava , faria grande sucesso pela curiosidade dos habitantes em com-provar o notável crescimento de sua cidade. O empreendimento , no entanto, foi um fracasso comercial .Hoje são conhecidos cerca de 12 exemplares ,conservados em instituições públicas e coleções privadas , e nenhum deles em bom estado .

Militão , de ator  a   fotógrafo

Militão Augusto de Azevedo nasceu no Rio de Janeiro em 1837 e aos 21 anos , iniciou a carreira de ator na companhia de Joaquim Heliodoro . Chegou a São Paulo , em 1862 , sem suspeitar que ali viveria por mais de 40 anos , com a Companhia Dramática Nacional , para uma série de espe-táculos , já com sua companheira Benedita Maria dos Santos , também atriz .

Conciliou os ensaios da peça Luxo e vaidade , de Joaquim Manuel de Macedo , com uma   febril atividade de documentação fotográfica das ruas e monumentos da cidade . Pretendia fazer álbuns que , segundo esperava , teriam aceitação junto aos quinto anistas de Direito , prestes a deixar a cidade ,desejosos de levar consigo uma lembrança . Decidiu então permanecer em São Paulo ,pelo menos por algum tempo , para dedicar-se à repor-tagem fotográfica completa da cidade , que o tornaria hoje célebre . E outubro , saiu no Correio Paulistano um anúncio do Áqlbum de São paulo , com 30 vistas ! tiradas a photographia “ .

Como o álbum não veneu como ele esperava , acabou optando pela profissão de retratista . Ainda assim rea-lizou dois outros álbuns de Santos , e o da estrada de  Ferro Santos – Jundiaí , ambos com 40 imagens , que também não tiveram o sucesso comercial que ele antevia .

Por volta de 1875 foi decisivo para Militão , que se tornou único proprietário do importante estúdio fotográ- fico que gerenciava desde 1868 . Da  década de 1860  até 1886 completou o notável de 12 mil retratos de habitantes de São paulo realizaos ao longo de sua carreira , quase metade da população da cidade .

Depois de viajar duas vezes à Europa , Militão concebeu a ideia do álbum comparativo da cidade que docu-mentara pela  primeira vez  24 anos , antes . O álbum , vendido por  50 mil  réis ( aproximadamente o ganho mensal de um carroceiro ) , teve a mesma recepção dos álbuns de São Paulo , Santos e da  estrada de  Ferro e vendeu poquíssimos exemplares .

Em 1886 , diante do insucesso do Álbum comparativo , Militão abandonou definitivamente a fotografia .Teria voltado ao Rio de Janeiro , onde viveu com o pequeno patrimônio acumulado co-mo fotógrafo em São Paulo . Em algum momento retornou a São Paulo para vier junto ao filho advogado , e morreu em 1905 .

Fonte - Revista São Paulo 450 anos - págs 28 , 29 e 34






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