terça-feira, 30 de janeiro de 2024

A preguiça é paulista






Novo governador  se  surpreende com a miséria e a  depravação da  capitania  de São Paulo .Os habitantes não queriam saber  de  trabalho 

CAPITANIA  ESTAVA  “ MORTA “ .  Esta  foi  a dura constatação de D. Luís Antônio de  Sousa Botelho Mourão ( 1722 – 1798 ) ao aportar em  São Paulo .Recém – nomeado governador ,ele encontrou uma terra  arrasada , sem produção ,cujo  povo  andava  metido pelas matas , “ sem  lei  e  sem  fé “ ,  como  “  feras “ . Culpa de preguiça quase doentia que acontecia todos os habitantes. Aquela  gente parecia  inconciliável com o  trabalho . 

Havia tempo que o  territóorioi paulista passava por  franca decadência  econômica e  política .As principais  riquezas vinham  das  Minas Gerais , e seu  caminho natural de  escoamento era o litoral carioca . São Paulo chegou a  perder seu status de capitania , incorporado aos domínios administrativos  do  Rio de Janeiro .Mas  a crise que se abateu sobre em  meados do século  XVII ,com o declínio das remessas de ouro e  diamantes , levou o governo a impor uma nova política  para a Colônia .Uma das providências  foi  recriar a capitania  de São Paulo  e  investir em  sua produção . Com o  povo que se  encontrava ali , seria um  trabalho árduo . 

Para comandar o processo , o  primeiro  –  ministro  Sebastião José  de Carvalho  e  Melo (  futuro marquês de  Pombal ) nomeou  o  fidalgo  D. Luís  Antônio . Homem de  vários  títulos , entre eles  o de  morgado de  Mateus  -  honraria  hereditária ligada  à  posse de um território  - era  militar de carreira e vinha de  uma  fa-mília de varões que  tradicionalmente serviam  em várias áreas da administração do  Estado . 

Logo na chegada ao  Rio de  Janeiro , em 1765 , o  português entusiasmou-se  com a  riqueza da Colônia e seu potencial econômico . São Paulo , no entanto ,sua  primeira impressão foi a pior possível .Era uma  terra “ depravada nos costumes “ . Em carta ao  primeiro - ministro , afirmou que  parte da  culpa  lastimável estado em que se  encontrava a capitania era de seus próprios habitantes , que viviam “ sem  sujeito ou civilidade al-guma “ . Muitos eram assassinos , e  as  “ parcialidades , os roubos ,a falta de justiça  “ eram comuns . 

Os  vadios ,como eram denominados os  homens livres pobres , sentiam  verdadeira  repugnância  pelo tra-balho agrícola . Viviam de  pequenas  roças de  subsistência , e  para complementar a dieta , saíam  para  as  matas , caçando animais  e coletando vegetais . O  hábito  de se  alimentarem de  “  bichos imundos e  coisas asquerosas  “ ,  além de comprovar o  caráter incivilizado daqueles  homens ,preocupava o  novo governador por outros motivos .Esta seria a origem dos  numerosos casos do chamado  mal de Lázaro já  ( a hanseníase )  entre a população . Além disso , a  improdutividade precisava ser  combatida  pelo  bem da economia  : falta-vam até gêneros alimentícios na  capitania , e quase  não  havia  produção agrícola  para  exportação .Incen-tivar  a  cultura  de cana – de – açúcar era  uma prioridade para a Coroa .Mas ,para isso, era preciso dar um jeito na  índole daquela gente , que  passava a  maior parte do  tempo  sem  fazer nada - “ de  noite  e de dia estão deitados ou balançando na  rede,ou  cachimbando “ .

Para  as  autoridades portuguesas ,o caráter deturpado  dos  colonos tinha uma causa :  eram os  malefíicios dos  ares da  América . Se no  início do  processo de  colonização eles chegaram a  ser  louvados como sau-dáveis , com o tempo adquiriram a  fama de  corruptores do caráter e da  boa condução  física  e mental dos  habitantes .Isso explica por que o mal  da preguiça não era  privilégio dos homens  nascidos na Colônia :con-tagiava  também os  portugueses  que passavam  a  habitá -la . Indivíduos recém – chegados  às  terras pau-listas  em  pouco tempo tornavam - se  displicentes e não de modo algum ,empregar -se em  atividades pro-dutivas . Empenhavam -se , sim , em virar  senhores ,comprando  escravos e  vivendo da exploração de seu trabalho .Diante  desse risco de  “ contaminação “ ,  D. Luís Antônio  chega  a questionar da  vinda de  mais  portugueses para a  América . 

O  desejo de  assumir o  papel  de senhor , delegando o  trabalho a  outros , não tinha  distinção social .Mes- mo  homens pobres , assim que possível , tratavam de  adquirir ao menos um  ou  dois  escravos para o tra-balho  nos campos . Os  livres  não queriam  ser confundidos com cativos , e a forma de se  diferenciar era  manter as mãos limpas, longe da  terra .Já os portugueses que chegavam , vindos de  uma sociedade dividida por  critérios de nobreza , encontravam na  Colônia a  oportunidade  de “ dar – se ares  de fidalgo “ .O que  significava viver de  pernas para o ar . 

O  governador costumava  ter o cuidado de  não se  indispor  com  a  elite  local . Suas  críticas  se direcio-navam  principalmente à  gente  de menor condição .Os  “  filhos do  reino possuidores de casas de negócio , fazendas ou lavras estabelecidas “ , assim como  fidalgos paulistas ,mereciam sua consideração : eram  “ in-dustriosos “ e  donos de  civilidade . Mas , às vezes , os costumes dos  mais abastados  também o incomo-davam .Entre eles ,o luxo excessivo das vestimentas e dos calçados , impróprios para o clima tropical . Nas  ruas da capitania ,que não  eram pavimentadas , esse exagero no trajar causava  grandes dificuldades para a locomoção .Pompa e requintes desnecessários também se viam na  alimentação :  um  excesso de  produtos importados do  reino , que , a depender dele , deveriam ser substituídos por gêneros nativos .

A  Colônia portuguesa  parecia  desconhecer  avanços que a Europa  fizera no campo da agricultura . As té-cnicas de plantio utilizadas pelos  paulistas eram atrasadas e precárias . Lavra-se a terra de forma extensiva e itinerante : depois de poucas colheittas ,o solo se exauria e a  produtividade  caía.O jeito era sair em busca de outra área  em que pudessem  repetir o  processo . Para  melhorar  a  produtividade , tudo o que sabiam fazer era promover queimadas de áreas  florestais .A  erosão e o  empobrecimento do solo devastavam a capitania , o que reduzia a  atividade agrícola à  mediocridade , levando São Paulo à  ruína e , para seu  profundo pesar , impedindo o  reino de se recuperar economicamente . D. Luís  Antônio bem  que  tentou introduzir  a  tecno-logia do arado entre os agricultores locais . Em vão : eram gentes indolentes , presas de  grande teimosia e de uma  absoluta  falta de  iniciativa . 

Para completar o quadro desesperançado , os selvagens paulistas  viviam distantes da  religião  Como " onde  falta Deus " (...) não  pode  haver  coisa  boa " ,  nas  palavras de  morgado , a  difícil missão de  transformar aquele povo passava por  todo  um novo ordenamento social .Foi isso o que  propôs ,em forma de legislação . A Lei dos Sitios Volanbtes , de 176 , previa a  fundação de  novas  vilas e pequenas comunidades , para onde deveriam  ir  os  " vadios , facinorosos  e bastardos ", acompanhados  de  suas fa-mílias . Essas   " povoações civis "  , com pelo menos  50  habitações , iriam  formar uma rede e  tornar-se  um poderoso instrumento para reunir a  população dispersa , instaurando a  ordem ,a obediência , o  exercício do  serviço religioso e a  prá-tica de  uma agricultura mais racional .Também facilitariam o  recrutamento militar , elemento essencial para a defesa do  território português e a  garantia da  posse de  áreas de  contestação de  fronteiras com a  Coroa espanhola .

Assim foram  fundadas as  vilas  de  São  Luiz do  Paraitinga  ( SP ) , São  Luiz  da  Marinha  de  Guaratuba  (atual  Guaratuba , PR ) , São José de Moji - Mirim ( atual Mogi - Mirim , SP ) , São José da Paraíba ,( atual São José dos Campos , SP ) e  prazeres de Lages  ( atual Lages , SC ) .

Em defesa do governadors , vale lembrar que ele não  foi o único a  julgar  os  paulistas de forma tão negativa . Muitos dos  administradores que estiveram na  América acreditaram que o  grande problema da  Colônia era  o povo . Terra de  mamelucos , índios  e  mestiços . São Paulo sempre  foi considerada quase  selvagem aos olhos da  Coroa .Gente traiçoeira e indigna  de confiança ,os paulistas deveriam ser  vigiados .Os  naturais da terra , por não  praticarem a  agriicultura com fins mercantis , foram  tachados  ociosos e vagabundos .

Mas os  " selvagens "  bem que  serviram  aos  interesses do  reino .Não chegaram a ser completamente do-minados ,mas foram  muitas vezes disputados por  sua incrível capaci-dade de aturar os  trabalhos mais  duros e ásperos . Transformaram-se em  povoadores de  rincões distantes , abriram estradas , consertaram  pontes e caminhos e impediram a  pene-tração espanhola em  áreas fronteiriças . Coisas  que  preguiçoso  nenhum  faria .

Fonte  -  Nossa História  -  págs  40, 41 e 43   -   jULHO DE  2009                                            

PAULO  KNAUSS É  DIRETOR  GERAL DO  ARQUIVO PÚBLICO DO  ESTADO  DO  RIO DE  JANEIRO , PROFESSOR  DA  UFF E  ORGANIZADOR  DO  LIVRO  SORRISO  DA  CIDADE  : IMAGENS  URBANAS E  HiSTÓRIA  POLÍTICA DE  NITERÓI  ( NITERÓI  LIVROS , 2004 )





Preguiçosos  ontem ,  trabalhadores  hoje  

Se o governador de  São Paulo atribuía aos  paulistas a  pecha de  preguiçosos , este  título foi  conferido ,sé culos depois  , aso  cariocas . A  rivalidade entre os  estados , que  cresceu no  século  XX  por  razões  po-líticas  e  econômicas , acabou  por estimular algumas  provocações entre  seus habitantes .Foram criados ró-  tulos para  os  dois lados :  paulistas  são  trabalhadores e  carioca  são  ociosos . 

A  rivalidade que  entrou para  o  folclore nacional , rendeu  pérolas , como as frases do  pernambucano mais  carioca de todos os  tempos .Nelson Rodrigues  : "  O  pior  tipo de  solidão é a companhia de um  paulista "  ; ou  esta , sobre os  cariocas  : " O  carioca é  um  ser  encantado . No  Rio dois  sujeitos que nunca se  viram tornam -se como que  súbitos  amigos de  infência e caem nos  braços  um  do  outro , aos  soluços " .

As  provocações de  ambos os  lados têm um fundo comum : a  ideia ,difundida ao  longo do século  passado , de que os nascidos  na  Cidade  Maravilhosa são  naturalmente  extrovertidos , dedicados ao  ócio ,  à  con-templação , à  diversão , enquanto  seus viizinhos da  terra da  Garoa são  pessoas sérias , introvertidas , de- dicadas ao  trabalho , são enfim , a  locomotiva do  Brasil 

Não  foi sem razão , portanto , o espanto causado por uma  pesquisa do  IBGE ,de 2006 , que apontava uma  realidade contrária ao  mito  : os cariocas têm  uma  média  semanal de  trabalho de  41,6 horas  , contra  41,3 dos  paulistas .Ou  seja , apesar da  praia  ,da  cervejinha no  fim do  dia e do  futebol após o  expediente , os  cariocas  trabalham  mais . ( EQUIPE  RHBN ) . 

Fonte  -  Nossa  História  - pág 43












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