segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

O samba de Raiz

 




         

80  anos  de  História

De todos os ligados à cultura negra , desde a vinda dos escravos para o Brasil ,do Quilombo de Palmares ao que História denomina “ Abolição “ , das lutas , do suor e do sangue derramado , o negro manteve viva a sua raiz africana , tanto na religiosidade quanto na veia artística ,manifestada em 369 anos do Brasil .

Embora centro gerador musical ,o Rio não tinha ,na época do Império  a capacidade de difundir essa cultura .Somente ao seu término,as manifestações dos negros se fizeram maiores através das festas populares , uma delas , profana : o Carnaval , com afoxés ,troças e cordões introduzidos pelos baianos . Após a “ Abolição “, os negros foram em massa para a Capital Federal , que crescia com um novo porto e  uma indústria em de-senvolvimento . Ocupando os morros vizinhos ao Porto e mais ao Largo próximo à   Estação Ferroviária D. Pedro II , criaram fortemente a sua cultura , reflexo das tradições por eles trazidas da Bahia , das Minas , de São Paulo ,de Pernambuco e do interior do Rio , através dos batuques manifestados em sua criatividade mu-  sical .

Batuque – No século passado ,o local conhecido hoje como Morro da Providência foi o primeiro lugar habi-tado pelos negros oriundos de Monte Santo , no interior da Bahia e de uma localidade chamada Serra da fa-vela .Mais adiante , na zona portuária , estabeleceu-se outro núcleo de ne-gros nos morros de Santo Cristo , Gamboa e Saúde , que ali viviam e nas cercanias trabalhavam . Encontravam-se baianas , quituteiras , agua-deiros , verdureiros  amas de leite , domésticas , lavadeiras e outros Com toda essa atividade , ainda promo-viam batuques , mas como estes não obtinham simpatia das autoridades que os proibiam por  força da Lei , estes negros participantes fugiam para outros locais e lá se divertiam , cantando .

O batuque era uma dança com sapateado e palmas , ao som de cantigas como a chula portuguesa , acom-panhada de tambor ou o samba baiano . Durante a dança , ouvia-se o desafio dos cantadores.

Algumas cantigas causavam brigas , às vezes , por causa da bebida , vez  por outra por causa dos versos provocadores . Problemas como esses , no entanto , estimulavam a proibição dessas reuniões pela polícia .

Bambas –  Havia  locais menos agitados , onde os negros reuniam-se , como nas casas das  tias baianas , dentre as quais se destacava a de   Hilária Baptista de Almeida , a mãe de terreiro  mais famosa da época . Festeira e quituteira de  mão cheia , promoveu por  onde morou  sessões de Candomblé , que contavam      com a presença de políticos , artistas e boêmios .




Tia Bebiana Germano , Tia Perciliana  ( mãe do compositor João da Baiana ) , Tia Amélia  ( Nãe de Donga )  e outras também ficaram famosas na época .Nessas reuniões foram criados muitos gru -pos musicais , par-cerias e composições clássicas . Pelo Telefone , de Donga e Mauro de Almeida , originou-se na casa de Tia Ciata .

Outros bambas criaram nesse ambiente muito dos sucessos : Lau de Ouro ,Caninha , Sinhô ,João da Baiana , Amor , Mano  Elói , Pixinguinha , Paivinha , Heitor  dos Prazeres . Ali , o  maxixe , calango , as toadas , mo-dinhas e lundus , junto às influências urbanas , deram alicerce para o futuro do samba .

Outro destacado personagem ligado ao samba e ao carnaval , o baiano Hilário Jovino Ferreiro , O Lalu de Ouro ,dividiu com Tia Ciata a criação das festas promovidas pela colônia baiana no Rio.Lalu fundou um dos ranchos mais famoso , o Dois de Ouro , que fugiu à tradição .

A saída dos ranchos sempre foi  no Dia de Reis , mas  Lalu inovou deixando de desfilar em um dia sagrado para fazê-lo em  outro profano , sendo seguido por todos os outros nos festejos de  Momo .Também intro-duziu em seu rancho o gaboso personagem Mestre Sala . Ele próprio vestiu -se de nobre , desfilou fazendo coreografias em passos de valsa e , sapateado , fazia reverências ao pú-blico que o saudava .Lalu tornou-se uma das figuras mais populares do carnaval , seja como diri-gente , compositor ou destaque . Era mestre de muitos na capoeira .

A  cidade fervilhava com o   movimento dos negros baianos , que eram muitos . “ Seu Miguel Pequeno , um velho baiano foi  responsável pela chegada de   muitos outros na cidade . Sua casa , no Rio , era uma espécie de embaixada da Bahia , onde recebia a todos . Era ligado por laços de amizade aos ranchos e foi pivô de um fuxico histórico ,envolvendo dois membros ligados ao samba:

Tia Ciata e Lalu de Ouro .

Tia Amélia se envolveu com Lalu e com ele fugiu . Parceiro de   Seu Miguel na fundação de um rancho que se chamaria Rosa Branca , fizera  seu parceiro desgostoso . Este passou toda documentação Oficial de Registro na Polícia para Tia Ciata , acabando daí a amizade entre Lalu e Tia Ciata .

Ranchos - Foliões históricos – Luís de França , Cleto Ribeiro da Silva , Calixto Ferreira , Matinho Quitoca , João Alabá , Dudu, João Gordo , Felícia , João Ratão , Noela , Amélia ,Marcolino ,João Gâncio – fundaram um afoxé ,depois o rancho Reis de Ouro , seguindo-se Caçadores da Montanha e Rosa Branca .Todos eram moradores do Morro da Gamboa , Conceição e proximidades .

Entre negros , mulatos , caboclos e brancos , a cultura musical carioca cresceu . Do samba tínhamos Donga, Caninha ,Ismael Silva , João da Baiana Heitor dos Prazeres ,Sinhô . Do choro : Pixinguinha, Ernesto Nazaré , Patápio Silva e Benedito Lacerda . Da modinha : Chiquinha Gonzaga e uma infinidade de outros artistas .

Todo o processo de maturação por qual passou o samba é como o da bebida destilada .Da África aos Salões do lundú – canção aos sambas rurais da Bahia , dançando meio chegado   à chula nas casas das velhas .Tias , que como filtros peneiravam e serviram depois generosos goles de maxixe e choro , desenvolvendo o samba batido na palma da mão , ao toque do prato com a faca e com o pandeiro nos terreiros .

A Praça Onze , com os blocos e as escolas de samba se tornaria o centro de toda a musicalidade negra .Pró-ximo dali , através dos trilhos da Central do brasil ,o samba correu em direção ao subúrbio e parou onde exis-tisse um morro .Enquanto isso , as gravações elétricas e o rádio ajudavam a difundir a cultura dos negros para todo o Brasil .Compositores e  intérpretes urbanos  gravaram samba , alcançando  grande sucesso . Caso de Almirante , Carmem Miranda , Araci de Almeida e Noel . Mas o  samba de raiz continuava sendo criado nos morros e dentro das  Escolas de Samba . Deixa  Falar  foi  a primeira escola  do Rio . Formada no Estácio , reduto dos  maiores bambas .

Ainda hoje , alguns compositores de  tradição perpetuam suas raízes através dos desfiles de escolas de samba, ora compondo , ora como compositores da Velha Guarda .

Revista  BLACK -  págs 66 , 67  e 68  -  Música                                                                                        Junho de 97 - Por Everson Cardoso




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário sobre a postagem.