terça-feira, 17 de julho de 2018

ZÓZIMO BULBUL



Ele  ganhou  projeção  com o sucesso   no  filme  Orfeu  do  Carnaval. A  preocupação  com  as  origens  e  a  cultura  negra  vieram  na  década  de  70. De  lá  para  cá, Zózimo  Bulbul  dedicou  a  carreira  ao  resgate  do  que  chama  de  africanidade  através  do  cinema  com  os  filmes  em  que  atuou  e  dirigiu, como  em  Ala  no  Olho, Terra  em  Transe  ( de Glauber  Rocha  ) e  as  Filhas  do  Vento  ( de  Joel  Zito  Araújo). Foi  o  primeiro  protagonista  negro  de  uma  novela  brasileira  e  manequim  de  uma  grife  de  renome.

Há  cinco  anos  criou  o  Centro  Afro  Carioca  de  Cinema,  local  destinado  a  exibir  filmes  de  diretores  africanos  e  afro-brasileiros,  além  de  ser   um  espaço   de encontro  e  reflexões  sobre  arte  do  cinema.  Para  2012  foram abertas  oficinas.

Aos  74  anos, Zózimo  Bulbul  fala  sobre  a  sua  carreira,  política, negros, os  desafios  e  trabalhos  para  o  próximo  ano.

Jornal  Copacabana: Esse ano você realizou o 5° Encontro de Cinema Negro Brasil África & Caribe, sendo o curador do evento. Obteve os resultados pretendidos com a ideia que teve desse encontro  ?

Zózimo Bulbul: O encontro foi criado para alavancar o cinema negro. Vem sendo uma expectativa  proveitosa.  Sinto que tenho essa resposta a cada ano.  Cada vez há mais interesse com o assunto.

Cada ano é uma surpresa, um desafio que peguei para a minha vida porque 70% dos brasileiros são afrodescendentes, miscigenados e afins, como digo! ( risos ). Mesmo assim, ainda se nega a cultura africana nesse país.

O cinema hoje é moderno, rápido, ele acontece ! 

Cheguei da África há pouco tempo e percebi que lá, o continente está se comunicando, se encontrando através do cinema. Com o projeto tento resgatar a “ africanidade “ dos brasileiros.

J.C.: Pretende  unir  os  negros  americanos  com a  participação  do  Caribe   ? 

Z.B.: Trouxe o  Caribe, também para o festival, porque nós, brasileiros, ficamos isolados da América Espanhola por causa da língua, eles interagem entre eles, precisamos estar nesse circuito também. Não podemos mais ficar isolados. Foi muito importante agregar o Caribe ao Festival.

J.C . : Quais serão as atividades do Centro Afro Carioca de Cinema no próximo ano  ? 

Z.B . : A casa existe há cinco anos e agora temos o certificado de Ponto de Cultura  por isso, no próximo ano estaremos para dar cursos de tudo ligado à cinema  não temos a definição  , mas estamos esperando como será.

J.C.  :  Você  marcou  época   como  ator  na  novela  Vidas  em  Conflito  ( 1969 ), quando  foi  par  romântico  de  Leila  Diniz.

Z.B. :  Nessa época  a TV Excelsior me chamou para o papel  e foi mesmo uma revolução ! (riso). Eu fazia um professor de vestibular e ela uma moça de família italiana tradicionalista. A novela saiu do ar porque, além dela começar a namorar um negro, um absurdo naquela época, ela ficava grávida, mesmo sem nenhum beijo.  Coisas  da  ditadura.

J.C . : Além de protagonista, você foi o primeiro manequim negro de uma grande grife brasileira?

Z.B. : Nessa época da novela, aproveitando o gancho de protagonista  fui chamado pelo Dener para desfilar a marca dele. Fui capa de revista, foi um sucesso!  Só que eu queria mais do que ser apenas um rostinho bonito, minha base foi no Centro Popular  de Cultura da UNE  , nos anos 60. Não me conformaria em ser um ator vazio.

J.C. : Você  sempre  foi  engajado  nas  causas  políticas  e  negras, né  ?

Z.B. : Desde 1970  , ano que o Brasil estava em ebulição  , tinha acabado de acontecer o AI5 (Ato Institucional n° 5, em 1968 ) nós brigávamos contra os militares.

J.C . : Politicamente, hoje, o  que  falta  ao  negro  ?

Z.B . : Está muito difícil escolher um partido. Discuto sempre sobre a negritude. Acho necessário que haja respeito ao contingente africano que veio construir e dignificar o país. Precisamos ser respeitados  como os brancos são. É importante que haja incentivos para que o negro possa conhecer a África de alguma forma, nem que seja através do cinema, para que haja esse resgate cultural, para que conheça a sua cultura.

J. C . : Como  a  juventude  de  hoje  pode  ajudar  nesse  resgate  da  “ africanidade “  através  do  cinema  ? 

Z. B . : Jovens  , negros e  brancos que quiserem podem estimular as pessoas a assistirem os filmes negros, que representa a cultura negra na telona. Seria fantástico ver novamente os Cineclubes ( que estimulavam os participantes a verem, discutirem e refletirem sobre o cinema  ). Hoje, com essas TVs de Led... “ Aquilo “é quase uma tela  ! ( risos ) . Coloca a tv na esquina, chama as pessoas e faz acontecer o encontro de cultura. Já para fazer cinema, realmente é mais difícil, faltam incentivos e é muito importante buscar conhecimento. Uma dica: mais importante do que a imagem que via passar na telona é o a história escrita. Leia bastante e aí escreva antes de fazer cinema. Escreva a história, o cinema vem depois  !

J . C . : Vamos  falar  de  Copacabana. Qual  a sua relação com  o  bairro  ? 

Z. B . : Sou morador de Botafogo e tive uma ligação quando servi no Forte  de  Copacabana. 
Sei que vou cair no lugar comum , mas Copacabana é a Princesinha do Mar... É charmosa... Todo estrangeiro que vem aqui, levo para conhecer a orla de Copacabana.

J . C . : E  com  relação  aos  cinemas  do  bairro  ?

Z . B . : Primeiro vou registrar que amo o filme Copacabana Me Engana, Antônio Carlos da Fontoura  , é  uma linda obra ! Sobre os cinemas, O Metro Copacabana era uma charme. Era um bairro com muitos cinemas, lamento que o número tenha sido tão  reduzido, mas comemoro o retorno do Joia ! Se eu pudesse resgataria os cinemas do bairro! Não só de Copacabana, mas de todos que vem perdendo as salas ao longo dos anos.

J . C . : Deixe  seu  recado  para  os  leitores do  Jornal  de  Copacabana  ? 

Z. B . : Adoro a população residente de Copacabana e respeito muito, até pela persistência em continuar morando no bairro, já que a moda agora é ir para a Barra. Sigam   assim,  orgulhosos  de  Copacabana   ! 

Fonte  -    Jornal  COPACABANA     pág  19 
FALA  VIZINHO    -    Por  Renata  Moreira  Lima  

A  abolição  do  gueto 

“Morro  de  fome,  mas  não  faço  motorista  de  madame“ ,  sustentava o ator Zózimo Bulbul, em meados dos anos 70. Negro  , não conseguia ganhar papel de protagonista no cinema. Ouviu até que era “bonito demais “ para interpretar bandido. Assim teve início a carreira do cineasta, que acabou fazendo os próprios filmes. Aos 70 anos  , orgulha-se de poder apresentar  - apesar do atraso de duas décadas – Abolição, que fez em 1988, um documentário em que entrevista personalidades que atuam em favor da questão racial. Premiado em Havana e Nova York, só hoje estreia oficialmente  no país. As condições não mudariam muito: para conseguir exibi-lo no Brasil teve de montar o próprio festival. - Festival não, encontro  - corrige, numa fala mansa entremeada por longas pausas, na sala de cinema recém – inaugurada para o I Encontro de Cinema Negro Brasil-África, em cartaz até quarta-feira  , em diversos espaços do Centro. – É impressionante que, 120 anos depois da dita Lei Áurea, só agora aconteça o primeiro encontro de cinema negro no Brasil.

A ideia surgiu depois que Zózimo participou de evento semelhante em Toulouse  , na França  , em março  . 

- A cidade só falava em cinema africano, no bar, nos debates, nas tendas. Eu pensei: tenho que levar isso para o Brasil  - conta.

Zózimo é mais conhecido no exterior do que no Brasil – conta, apesar de ter participado de ícones da cinematografia nacional, como Terra em transe ( 1967 ), de Glauber Rocha, do episódio de Leon Hirszman em Cinco vezes favelas ( 1962 ) , Ganga  Zumba ( 1964 ), de Carlos Diegues  , e , mais recentemente  ,  Filhas do vento  , de Joel Zito Araújo

Uma história do inícios dos anos 70 pode explicar o porquê: um dia saía de seu apartamento, uma cobertura na Avenida Vieira Souto, em Ipanema, para ir à praia, quando “tomou uma dura “ de dois policiais militares. “Mora aonde  , crioulo ? Tá fazendo o que aqui ? “ perguntaram. Quando apontou a cobertura em que morava com a cineasta e artista plástica Vera Figueiredo, foi preso por desacato.

- Já melhorou  , mas ainda há muito preconceito no Brasil.- atesta .

Para tentar abrir à força o mercado e a plateia para africanos e afro-descendentesZózimo convidou para o encontro cineastas do porte de Antônio Pitanga  , Antonio Pompeo, Joel Zito Araújo, entre os brasileiros; Abderrahme Sisako, da Mauritânia; Olá Balogun, da Nigéria  ; Zezé Gamboa, de Angola; e Newton Aduaka, da Nigéria

Jorge da Silva – Zózimo é um apelido de infância e Bulbul significa rouxinol em javanês, explica  - cospe fogo quando perguntado se a iniciativa não pode ser interpretada como uma segmentação ainda mais evidente da questão racial.

- Não é possível que 90% dos cineastas da Bahia sejam brancos! Onde estão os cineastas negros ? – indigna-se ele  , que se tornou um estudioso da causa  , depois de tratá-la com paixão nos filmes Almas no olho ( 1974 ) e Dia de alforria ( 1980 ) , que serão exibidos na mostra.

E não economiza críticas na luta por um cinema que liberte o negro das amarras da “periferia“.

- De Cidade de Deus não gostei nem um pouco, este Tropa de elite ainda não vi, mas gosto do diretor, José Padilha. Se eu tiver de escolher um filme que traga esperança em relação ao cinema brasileiro, escolho Ônibus 174.

Serão exibidos títulos em diversos horários no Centro Afro Carioca de Cinema, na Rua Joaquim Silva , 40 , na Lapa; no Odeon BR e no Centro Cultural de Justiça Federal, na Cinelândia ; no Centro Cultural da Caixa  , no Largo da Carioca  , e numa imensa tenda com uma tela nos Arcos da Lapa  . O evento homenageia Osmane Sambene, pioneiro do cinema africano, morto no ano passado, com a exibição do seu último longa, Mooladé.

Fonte   -      JORNAL  DO  BRASIL   pág  B 1 
Sábado  , 24/11/2007    - Mariana  Figueiras  

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