terça-feira, 2 de abril de 2019

O ovo, a galinha e a evolução



Moléculas  dos  ovos  ajudam  a  entender  processo  de  colonização  do  ambiente  terrestre 

O que surgiu antes : o ovo ou a galinha ? Este problema , muitas vezes taxado de insolúvel  , pode ser resolvido pelo conhecimento da evolução dos organismos : antes que as galinhas surgissem , outros animais já se reproduziam por meio de ovos . O ovo (que , fique claro , surgiu antes da galinha) pode ser considerado o resultado de história de sucesso na evolução dos animais e o estudo de suas moléculas ajuda a compreender esse processo . Uma das moléculas mais úteis nesse sentido é a vitelogenina , presente na gema ( ou vitelo ) dos ovos de praticamente todos os animais .

Tendemos a pensar que a produção de ovos seja rara entre os animais . Na verdade , dar à luz filhotes vivos , é a exceção enquanto a reprodução , por meio de ovos acontece até por seres muito simples , como as águas-vivas . É importante notar que os óvulos ( células reprodutivas ) , fertilizados dentro do corpo da mãe também são chamados de ovo . Porém , vamos analisar os ovos como entendidos na linguagem popular , ou seja , os ovos de animais cujo desenvolvimento do embrião ocorre fora do corpo da mãe , como os ovos de galinha .

Os ovos de galinha , assim como os de todas as outras as aves e dos répteis , possuem casca e por isso são chamados de ‘ cleidóicos ‘ ( do grego cleio , que significa  ‘ fechar ‘ ) . O surgimento dos ovos cleidóicos permitiu que o ancestral dos vertebrados terrestres , saísse da água , há cerca de 300 milhões de anos , tornando possível a evolução humana . Foi esse tipo de ovo que garantiu aos répteis sucesso na colonização do ambiente terrestre em contraste com a maioria dos anfíbios , que depende de ambientes aquáticos para completar seu ciclo de vida . As aves derivam evolutivamente dos répteis e sua reprodução também independe da água .

A passagem para o ambiente terrestre implica uma série de necessidades para o desenvolvimento do embrião . Por exemplo , toda a energia necessária para isso precisa estar armazenada no próprio ovo – o que de fato acontece . Estudos mostram que , para a formação do embrião , no caso de peixes e anfíbios ( ovos sem casca ) , a energia é obtida , em boa parte , das proteínas armazenadas , enquanto em répteis e aves ( ovos com casca ) a energia é fornecida basicamente pela lipídios . 

Proteínas  marcadoras 

As proteínas podem ser usadas como um documento vivo da história evolutiva‘ . As melhores proteínas para estudo da evolução dos ovos são as vitelinas , pois estão presentes nos ovos de quase todas as espécies . Essas proteínas concentram-se na gema , também chamada de vitelo , e associam-se a gorduras e outras substâncias , como o cálcio , que o embrião em crescimento usa . Elas derivam de proteínas precursoras , as vitelogeninas , e todas as vitelogeninas são parecidas . 

Na gema do ovo de vertebrados uma enzima corta a vitelogenina em pontos específicos , separando as regiões para formar as diversas vitelinas . A análise de uma vitelogenina de um verme de solo mostrou que as diferentes regiões dessa proteína sofrem mutações com mais frequência do que outras . Quando essa vitelogenina é comparada com as outros animais , nota-se que alumas regiões são , em todas elas , mais parecidas que outras . No entanto , embora tenham regiões com as mesmas propriedades , a semelhança entre as vitelogeninas de diferentes animais não passa de 35% . 

Os resultados da comparação das regiões das vitelogeninas mais conservadas ao longo da evolução parecem refletir aquilo que sabemos das relações evolutivas entre esses animais : na árvore ' genealógica ' montada pela análise dessas proteínas , todos os vertebrados ficam no mesmo ramo . Os invertebrados , porém , dividem-se em dois ramos diferentes , com os insetos de um lado e vermes , ostras e corais de outro .

Estudo recente do rupo de Walter Wahli , da Universidade de Lausanne , na Suiça , mostrou que , durante a evolução dos mamíferos , houve uma perda dos genes de vitelogenina , compensada pelo surgimento da placenta e da amamentação , que asseguram o desenvolvimento , respectivamente , do embrião e do recém-nascido .

Análises revelaram que o genoma de mamíferos com placenta ainda contém restos ' fósseis', não funcionais , de genes de vitelogenina , o que apóia  hipótese de que esses vertebrados se originaram a partir de um ancestral cuja reprodução acontecia fora do corpo da mãe . Existe , inclusive , um mamífero com um gene ainda funcional de vitelogenina : o ornitorrinco , que põe ovos , indicando que essa proteína é um excelente marcador da evolução reprodutiva  dos mamíferos .

Fonte  - JORNAL  DO  BRASIL   - Ciência  hoje - BIOLOGIA  MOLECULAR 
Domingo  , 27  de  julho  de  2008   - REVISTA  DO  BRASIL  INTELIGENTE 
Carlos  E.  Winter  -   UNIVERSIDADE  DE  SÃO  PAULO

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