segunda-feira, 3 de julho de 2023

PARA ESCREVER É PRECISO AMAR



Como  pensam , agem ,trabalham  os  escritores ?  A partir deste número  ATUALIDADES Shogun  irá  publicar periódicamente  entrevistas com  autores  brasileiros estrangeiros que se destacaram na  literatura universal .Começamos com uma  famosa entrevista de  Ernen Hemingway ,Prêmio  Nobel de  Literatura , herói  mitológico de muitos que se dedicaram à  carreira das letras . A entrevista foi concedida por  Hemingway ao  jornal  Le Figaro , poucos dias de sua morte , ocorrida há duas dé - cadas atrás .Mesmo assim , ainda é depoimento  vivo de um dos  nomes  mais  marcantes de  nosso  século .

ENTREVISTADOR : Quantas  vezes  reescreve  o  que faz ? 

HEMINGWAY :  Isso depende . Reesco  final de  Farewell to  Arms , a última página do livro , trinta vezes , antes de  sentir -me  satisfeito . 

ENTREVISTADOR  :  Havia algum  problema  teórico ?  Que  foi  que  fez  o  senhor  empacar ? 

HEMINGWAY : Não  conseguir  as  palavras exatas .

ENTREVISTADOR : É acaso a  reeleitura que  desperta de  novo  o  " sumo "  ? 

HEMINGWAY  :  A  reeleitura nos  coloca no  ponto em que a  coisa  tem  de prosseguir ,sabendo-se que é  tão boa quanto mais  longe se vá . Há sempre  " sumo "  em  algum  lugar .

ENTREVISTADOR  :  Mas há  ocasiões em que a  inspiração não surge ? 

HEMINGWAY  :  Naturalmente . Mas se a  gente se deteve , sabendo o que aconteceria a seguir , pode-se  continuar . Enquanto  se pode começar , a coisa está  sempre  bem . O  " sumo "  surgirá .

ENTREVISTADOR  :  Thorton  Wilder refere-se a  expedientes  mnemônicos que fazem com que o  escritor prossiga em seu  trabalho diário . Disse que o  senhor  lhe contou , certa vez ,  que  fazia pontas em  vinte lápis .

HEMINGWAY  : Não creio que eu jamais haja possuído vinte lápis de  uma só vez . Gastar-se  sete lápis número 2 constitui um  bom trabalho .  

ENTREVISTADOR : Quais os  lugares que lhe parecerem mais  favoráveis para trabalhar  ? O hotel  Ambos Mundos deve ter sido um deles ,a julgar pelo  número de livros que o senhor lá escreveu .Ou o  ambiente exerce pouca  influência em  seu trabalho ? 

HEMINGWAY  :  O  hotel  Ambos Mundos , em  Havana , era um  bom  lugar para se   trabalhar esplêndido - ou era .Mas tenho trabalhado  bem em  toda a  parte .  Quero  dizer  : tenho conseguido trabalhar tão  bem quanto me é possível sob  condições  diversas . O telefone e as  visitas são os des- truidores do trabalho .

ENTREVISTADOR :  É a estabilidade emocional necessária para  se escrever  bem  ?  O  senhor me disse ,certa vez , que só conseguia  escrever bem quando estava  apaixonado . Poderia expor isso um pouco mais ? 

HEMINGWAY  :  Que pergunta ! Mas foi  bom fazê-la . Pode-se  escrever em  qualquer ocasião em que  as  pessoas nos deixam a  sós e não nos  interrompem . Ou , então , pode-se fazê-lo se  fôr im- placável a  respeito . Mas a  gente  escreve  melhor ,  por certo , quando  está  apaixonado . Se  o  senhor não se incomoda , eu preferiria não  falar nisso .

ENTREVISTADOR :  E que diz a  respeito da segurança financeira ? Acaso pode ela  prejudicar a  boa literatura ?

HEMINGWAY  :  Se ela  chega  cedo  demais , e se  ama a  vida tanto quanto o  próprio  trabalho  é necessário muita  individualidade moral para  se resistir  às tentações. Uma vez que escrever se tornou nosso  maior prazer , somente a morte  poderá deter  nosso trabalho . A segurança financeira ,então ,  constitui uma  grande ajuda , pois evita que nos preocupemos . A  preocupação destrói a  capacidade de  escrever .A  má saúde e um  mal , na medida em que produz  preocupação ,pois ataca nosso sub-consciente e destrói  nosssas reservas .

ENTREVISTADOR : Pode lembrar-se do  momento exato em que resolveu tornar-se  escritor ? 

HEMINGWAY : Não ; sempre  desejei  ser  escritor . 

ENTREVISTADOR  : São  agradáveis essas horas em que o  senhor está  a escrever .

HEMINGWAY  :  Muito .

ENTREVISTADOR :Poderia dizer a  respeito ? Quando é que trabalha ? Segue um  plano rigoroso ? 

HEMINGWAY : Quando estou trabalhando num  livro ou num  conto , escrevo todas  as manhãs  tão cedo quanto possível , logo que alvorece . Não ninguém para perturbar- nos , é fresco ou frio , e  a gente se entrega ao trabalho e vai-se aquecendo à  medida que escreve .Leio o que escrevo e ,como sempre para quando sei o que irá acontecer

a seguir , parto do ponto em que ainda disponho de  " sumo " e sei o que acontecerá em seguida , então paro e  procuro viver até  o  dia  seguinte , quando me entrego de 

novo à coisa Começa-se a trabalhar , digamos , às  seis  horas da  manhã , e talvez se

prossiga até o  meio-dia , ou interrompa o  trabalho antes .Quando se para , fica-se como que  vazio ;  ao mesmo tempo , porém , jamais se está  vazio , mas  reabastecendo-se , como quando se  faz amor com alguém a  quem  se  ama .Nada pode ferir-nos , nada pode acontecer , nada significa  coisa al - guma até o  dia seguinte , quando se recomeça . A  espera até o  dia seguinte é que é  difícil  de su - portar .

ENTREVISTADOR : Consegue o  senhor afastar da  mente quaisquer planos que tenha , quando está longe da  máquina de  escrever ? 

HEMINGWAY : Certamente .Mas requer  disciplina fazê-lo , e tal  disciplina é adquirida .Tem de ser /

ENTREVISTADOR : Costuma , acaso , reescrever alguma coisa , ao  ler seu  trabalho até o ponto em que deixou na  véspera ? Ou isso ocorre quando o  trabalho já está terminado ? 

HEMINGWAY  :  Sempre  reescrevo , todo dia , até o ponto em que parei . Quando o trabalho está terminado , a gente , naturalmente , torna a  lê-lo . Tem-se outra  oportunidade de  corrigir e  rees - crever , quando  outra  pessoa  datilografa o  que  escreveu , e a  gente o vê  em  letra de forma . A  última oportunidade está nas  provas  tipográficas . A  gente sente-se  grato e essas  diferente  oportu- nidades . 

Fonte  -  Revista  SHOGUN   - pág 1   -  ATUALIDADES

Abril  /  Maio -  1983  -   n° 3  -   distribuição interna








                             

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