sábado, 26 de outubro de 2024

A nova religião

 




Há  uma nova  religião no  ar .Como  toda  religião , tem profetas do  paraíso e  do  apocalipse ,mas  ambos os  extremos partem  do  princípio de que   " uma  força superior " atua  por  nós ou nos inter  liga num plano  não - racionalizável .Essa  religião prega  o  mundo  virtual  não só está  crescendo , com as  novas  tecnologias e  organizações  sociais , mas também que tem  uma  energia autônoma , inquantificável , que  a  tudo governa , sobreposta ao  real . 

O primeiro  equívoco a notar  nessas  teses é  a  confusão cada vez  mais comum sobre   o que  quer  dizer essa palavrinha  " virtual "  . Pensam  que  virtual é uma  espécie de  oposição ao real .Um  anti real , um  surreal - algo , temos  relação limitada e  indireta , tal  como o  inconsciente  nas visões  de  Jung , repleto  de  histórias  ou  símbolos que  nos  cabe decifrar  ,de  manifestações necessariamente  enganosas .Mas o  virtual nada mais  é do que  um  território onde o  real existe apenas como  injeção ou  desvio ,  ao  qual temos  acesso  intuitivo, mas palpável , instrumental. Ele depende tanto do real      que  não há  por que  supô - lo  auto - suficiente , exclusivamente  capaz de  nos transportar a  outra e  oculta  dimensão . O tal  mundo virtual  não é  um ectoplasma  a pairar  acima  de  nossas  cabeças , como  uma  ordem  por  trás  do  caos .  

Outra observação ,já implícita, é o  romantismo o  essencialismo dessas ideias ,bem ao gosto  do que  se  chama de cultura  pós - moderna  de  um lado , a  exacerbada vigorar  nesta Era  Digital pode  ser  visto na  arte , na  psicologia  e  em  várias  manifestações  atuais . Um exemplo  sucinto foi o  que vi  recentemente  na  exposição 50  Anos da  TVE + , em  cartaz  na  Oca  do Parque  Ibirapuera , antigo  Museu da  Aeronáutica, agora  muito bem  aproveitado .Achei a  exposição muito bonita ,mais pouco informativa.  É  uma  instalação high - tech , com  mais  criatividade  que  muitas instalações  por  aí . Andando por ela, você se sente  numa babel  audiovisual , mas há  pontos onde você pára e  vê e ouve o  que  quer - brilhante  metáfora  para o jogo  dispersão / opção  que  marca a  TV.

Um  filme  de oito minutos que é  apresentado na  abóbada da  mostra é  expressão  perfeita  da  reli-gião  virtual . O  texto fala  na  tendência  humana a  formar  redes e  termina  sacralizando a  Internet -  a rede  virtual  como  apogeu  desse impulso de  comunhão inscrito na  biologia  humana , como se a  agressão não  fosse da  mesma forma  um  impulso  humano .

Essa  crença  numa  Xanadu  propiciada  pelas  máquinas  digitais é , como sempre ,balizada em fatos reais , como  a  expansão  da  informática  e  a  internacionalização da  economia .Mas , ali como  em outros lugares , ela  vem  embalada num  subdarwinismo cabalístico que  vê  a novidade como degrau evolutivo da vida  terrena ,um salto na  história que pouco  depende de  suas  circunstâncias e  ironias , livre  da  realidade  como um laboratório  futurista  - ainda  em  busca da  coesão  perdida . 

Fonte  - Jornal   O  ESTADO  DE  SÃO  PAULO   - pág  D 3   - SINOPSE                                             Data  - 28 de  Janeiro  de 2001 -  CADERNO 2 / CULTURA  - Daniel Piza


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