Há uma nova religião no ar .Como toda religião , tem profetas do paraíso e do apocalipse ,mas ambos os extremos partem do princípio de que " uma força superior " atua por nós ou nos inter liga num plano não - racionalizável .Essa religião prega o mundo virtual não só está crescendo , com as novas tecnologias e organizações sociais , mas também que tem uma energia autônoma , inquantificável , que a tudo governa , sobreposta ao real .
O primeiro equívoco a notar nessas teses é a confusão cada vez mais comum sobre o que quer dizer essa palavrinha " virtual " . Pensam que virtual é uma espécie de oposição ao real .Um anti real , um surreal - algo , temos relação limitada e indireta , tal como o inconsciente nas visões de Jung , repleto de histórias ou símbolos que nos cabe decifrar ,de manifestações necessariamente enganosas .Mas o virtual nada mais é do que um território onde o real existe apenas como injeção ou desvio , ao qual temos acesso intuitivo, mas palpável , instrumental. Ele depende tanto do real que não há por que supô - lo auto - suficiente , exclusivamente capaz de nos transportar a outra e oculta dimensão . O tal mundo virtual não é um ectoplasma a pairar acima de nossas cabeças , como uma ordem por trás do caos .
Outra observação ,já implícita, é o romantismo o essencialismo dessas ideias ,bem ao gosto do que se chama de cultura pós - moderna de um lado , a exacerbada vigorar nesta Era Digital pode ser visto na arte , na psicologia e em várias manifestações atuais . Um exemplo sucinto foi o que vi recentemente na exposição 50 Anos da TVE + , em cartaz na Oca do Parque Ibirapuera , antigo Museu da Aeronáutica, agora muito bem aproveitado .Achei a exposição muito bonita ,mais pouco informativa. É uma instalação high - tech , com mais criatividade que muitas instalações por aí . Andando por ela, você se sente numa babel audiovisual , mas há pontos onde você pára e vê e ouve o que quer - brilhante metáfora para o jogo dispersão / opção que marca a TV.
Um filme de oito minutos que é apresentado na abóbada da mostra é expressão perfeita da reli-gião virtual . O texto fala na tendência humana a formar redes e termina sacralizando a Internet - a rede virtual como apogeu desse impulso de comunhão inscrito na biologia humana , como se a agressão não fosse da mesma forma um impulso humano .
Essa crença numa Xanadu propiciada pelas máquinas digitais é , como sempre ,balizada em fatos reais , como a expansão da informática e a internacionalização da economia .Mas , ali como em outros lugares , ela vem embalada num subdarwinismo cabalístico que vê a novidade como degrau evolutivo da vida terrena ,um salto na história que pouco depende de suas circunstâncias e ironias , livre da realidade como um laboratório futurista - ainda em busca da coesão perdida .
Fonte - Jornal O ESTADO DE SÃO PAULO - pág D 3 - SINOPSE Data - 28 de Janeiro de 2001 - CADERNO 2 / CULTURA - Daniel Piza
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