Ultimamente , venho percebendo com maior intensidade um movimento bastante preocupante no que diz respeito ao modo como os pais encaram sua missão educativa . Não é novidade para a maioria das pessoas que vivemos tempos de crise absoluta de autoridade . Aqui mesmo nesta co- luna , já tratamos algumas vezes sobre isso . No seio da família não é diferente : pais com grande dificuldade de exercer a autoridade com seus filhos, filhos crescendo sem muita noção de como se comportar ,como se mover no mundo e nas relações - pessoas que pagam o preço de não terem sido bem formadas .
Mais do que isso , no entanto , o que vem acontecendo é culto aos sentimentos infantis e às possíveis memórias que esses sentimentos construirão .Claro que temos que cuidar do mundo afe- tivo dos nossos filhos ,porém ,isso se faz não com o esforço contínuo de evitar o inevitável ( sen-timentos negativos ) , mas , sim , com empenho maduro de oferecer suporte para que passem por esses sentimentos , elaborem-nos e deles tirem boas lições e oportunidades de amadurecimento .
Espanto-me profundamente quando , ao orientar alguns pais , percebo um medo de não saber lidar com o que é próprio da vida : montemos bons e momentos ruins ,sentimentos bons e sentimentos ruins , elogios e críticas , sucesso e " desprezo " .
Será que não percebem , em suas próprias vidas , a importância das experiências negativas que tiveram ? Não identificam o quanto cresceram diante de desafios mais exigentes , de algumas correções talvez injustas , de situações desconfortáveis ? Será que se trata de uma geração de traumatizados que somente se deprimiram com os sentimentos ruins que as mais diferentes ex-periências suscitaram neles ao longo de sua vida ? Não é o que observo .
Muito embora esses pais tenham vivido situações de frustração nas relações parentais , tenham tido pais mais autoritários e exigentes , e se beneficiado desse modelo mais " tradicional " , tornaram-se pessoas absolutamente convencidas de que não podem permitir que suas atitudes evoquem em seus filhos sentimentos desconfortáveis ,que precisam encontrar um modo mágico de educar os pequenos , ensinar valores e bons critérios, sem correções mais firmes , sem o uso de palavras negativas ( especialmente o não ) , sem que os filhos se sintam frustrados , chateados , irritados ... há um verdadeiro culto ao sentimento infantil - um medo absurdo de gerar pessoas traumatizadas , infelizes por levarem em suas memórias lembranças desagradáveis .
Esse movimento sentimentalista que nos toma conta do imaginário dos pais é sinal de uma matu-ridade muito grande ,de pessoas que não conseguem olhar para sua história de modo lúcido e sen-sato , identificar o que foi bom , analisar o que consideraram ruim à luz da madura percepção de que perfeição não existe e , por isso mesmo , os que erraram são dignos do perdão daqueles que se sen-tiram lesados e a esses , conscientes de sua própria imperfeição , cabe seguir em frente - seguir na luta .Claro que os erros de nossos pais se transformam em luzes na nossa própria paternidade, nos indicam outras possibilidades de agir , porém , não é possível que o melhor que possam suscitar seja esse culto e contemplação ao sentimento infantil - o que mantém nossas crianças na prisão de seus impulsos e sentimentos .
Nada é mais libertador do que um bom processo educativo , do que a forja diária de um caráter forte , bem formado ,de uma personalidade madura e , portanto ,conectada com a realidade sobre si mesma e sobre o mundo em que está inserido .Nada será mais precioso do que ensinar os pequenos a superar os impulsos que os dominam , rumo à autoria de suas ações e não à escravidão de vi-ver de reações ;
Só posso concluir que tal imaginário vem sendo formado por ideologias nefastas , que querem o mundo repleto de pessoas fracas ,ensimesmadas , vitimizadas , que não têm fibra para revisitar sen-timentos , nomeá-los , compreende - los e dar a eles novos sentidos .
Como será nosso mundo , quando estiver povoado por esses " reizinhos mandões " que não con-seguem sequer suportar uma curta espera para fazer aquilo que querem ? Esses pequenos " déspostas " que batem suas mães , " xingam seus pais e têm atitudes " desculpadas " como frutos de im-pulsos imaturos ?
Senhores pais , fica para vocês minha pergunta : acreditam mesmo que sem orientação assertiva , uma conduta firme , de verdadeira autoridade , tais impulsos " sumirão " da conduta de seus filhos como em um passe de mágicas ?
Reflitam , acordem ! É urgente retomarmos as rédeas , o protagonismo na formação desses pe-quenos .
Fonte - Jornal O SÃO PAULO - pág 5 - Comportamento Data - 16 a 22 de agosto de 2023 - Viver Bem / Fé e Vida Sjmone Ribeiro Cabral Fuzaro é fonoaudióloga e educadora
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