O MÉDICO DA FAMÍLIA
Certo dia ,um amigo me contou que havia passado por uma operação bastante delicada . Descobriu que tinha um tumor no cérebro e precisou fazer uma intervenção imediatamente. Parte dos amigos nem ficou sabendo, de tão rápido que foi o processo , da descoberta à operação .A grande maioria se deu conta , eu inclusive , somente no pós - operatório ao vê-lo ,de repente, com a cabeça raspada nas fotos das redes sociais .
Ele ressaltou o quanto o papel do médico de família foi de extrema importância ,do diagnóstico ao trato do problema .Relatou ter procurado outros profissionais que até amenizaram o problema .O mé-dico que estava tratando da sua família há tempos , no entanto , foi decisivo .Ao olhar os resultados da bateria dos exames , entendeu que ele precisava operar urgentemente .
O diagnóstico foi baseado também no seu histórico familiar . Uma vez que o mesmo médico tinha tratado um tumor semelhante em uma outra pessoa da família .De posse dessa informação ele fez toda a diferença .
A conversa sobre uma situação pessoal foi pontapé para refletirmos sobre assuntos diferentes . Um deles foi a constatação de que boa parte de pessoas negras e indígenas não tem médicos de família que fazem parte da rede de cuidado .E o quanto poder ter uma base em históricos de familiares que acrescentar informações importantes aos diagnósticos é um privilégio .
Em nossa troca ,sobre vida , morte , saúde e privilégios ,outro amigo mencionou que , de modo geral , a autópsia não costuma ser feita em membros da comunidade judaica .Isso por que o corpo , pela re-ligião ,é emprestado ,é emprestado e precisa ser devolvido como foi recebido ,sem mexer nos órgãos, salvo exceções para estudar de históricos doenças . E esse rito é respeitado por hospitais e insti-tuiçõs judaicas Também há o respeito à alimentação exclamou de produtos kosher , apropriada para judeus .
Nessa troca ,falamos sobre como cada religião e cultura têm suas vertentes e sua importância .Em tese ,cada uma delas deveria ser respeitada sem distinção .Assim como o próprio acesso à saúde de qualidade deveria ser universal , mas infelizmente ainda não é para grande parcela da população .
Deveríamos ,por exemplo, ter ambientes hospitalares públicos e privados mais comprometidos em respeitar também as tradições alimentares , feriados e outros costumes das pessoas dos povos ori-ginários ; daquelas que são de religiões de matriz africana ou outras não hegemônicas .
Quando pensamos na lógica do fim da vida , poder escolher os ritos de passagem é também um pri-vilégio .Lembro ter ouvido Helena Teodoro , recentemente , falando da importância das Irmandades Negras se organizando para dar enterros dignos aos filhos de escravizados e seus descendentes , para não serem enterrados como indigentes , já que isso também faz parte da preservação da memória .
Do médico de família , passando pela preservação de tradições ou ainda a possibilidade de ter um jazigo ou um ritual de passagem direito ainda é parte de um privilégio ,restrito especialmente às pes-soas brancas e abastadas .
Quem tem direito a quê ? Como dar tratamento digno para todas as pessoas respeitando sua iden-tidade e culturas ? Há camadas de privilégio e desvantagens socais que ainda ditam os direitos e as possibilidades das pessoas a partir de suas identidades. E precisamos nos atentar a elas , para fazer um dia com que direitos em vida ou pós -vida deixem de ser apenas privilégios para poucos .
Fonte - REVISTA ELA - pág 26 LUANA GÉNOT - CRÔNICA
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