Em 1665 , o Padre Vieira já denunciava , no “ Sermão do Bom Ladrão “ , a corrupção que grassava no Brasil , praticada principalmente por funcionários portugueses . Com muitas colônias ,o Império Português não conseguia organizar uma burocracia eficiente, e a confusão favorecia a proliferação de roubos e negociatas .Governadores , juízes e fiscais da Coroa se aproveitavam da falta de controle e enriqueciam poucos anos após a chegada ao Brasil
Em meados do século 17 , o Brasil já se encontrava à beira do abismo . Essa , pelo menos , é a desoladora certeza que deve ter ficado nos fiéis presentes à Igreja da Misericórdia de Lisboa naquele domingo de 1665 em que o Padre Antônio Vieira pronunciou as célebres frases do seu Sermão do Bom Ladrão . “ Perde - se o Brasil ( digamo - lo em uma palavra) porque alguns ministros de Sua Majestade não vêm cá buscar nosso bem , vêm cá buscar nossos bens ( … ) El - Rei manda -os tomar Pernambuco e eles contentam - se com o tomar ( … ) Toma nossa terra o ministro da Justiça ? Sim , toma . Toma o ministro da Fazenda ? Sim , toma . Toma o ministro da República ? Sim , toma . Toma o ministro do Estado ? Sim , toma . ( … ) e faltando a justiça punitiva para expelir os humores nocivos e a distributiva para alentar e alimentar o sujeito ,sangrando por outra parte os tributos em todas as veias ,milagre é que não tenha expirado ‘ .
Em outro trecho igualmente célebre do mesmo sermão ,Vieira afirmava que no Brasil“ conjugam por todos os modos o verbo ‘ rapio ‘ , porque furtam por todos os modos da arte , não falando em outros novos e esquisitos “ . Críticos de hoje que têm o vezo de de atirar todas as nossas mazelas à conta da herança portuguesa costumam citar ainda a carta de Pero Vaz de Caminha , na qual ,em meio às novidades da descoberta ,o escriba teria encaixado um pedido de emprego para um parente . Ao peculato denunciado por Vieira , soma - se o nepotismo presente no primeiro documento de nossa história .
Há em tudo isso boa dose de inexatidão . Ao afirmar que o verbo ‘ rapio ‘ se conjugava no Brasil em “ todos os modos “ , Vieira estava apenas adaptando para a nossa terra uma figura de retórica já utilizada por São Francisco Xavier em carta ao rei dom João III descrevendo o estado a que haviam chegado as colônias portuguesas na Índia .O fenômeno , aliás , nada tinha de exclusivo de Portugal e seu império .O filósofo Edmund Burke , referindo - se a Warren Hastings , um dos fundadores do Império Britânico , que governou por 13 anos a Província de Bengala , diria que ele era “ não apenas um ladrão da coisa pública , mas o organizador geral da roubalheira , o chefe da quadrilha “ .
ESCÂNDALO
Quanto ao recado de Pero Vaz de Caminha a dom Manuel , o Venturoso , não se referia à possibilidade de um emprego para um parente , como se tornou hábito de afirmar , mas era uma súplica para que fosse perdoada a pena de degredo na Ilha de São Tomé que afligia seu genro, Jorge de Osório , já condenado por extorquir o abade de Rio Mocinhos . Caso se tratasse real-mente de pedido de emprego ,nada haveria a estranhar .Como lembra Dauril Alden em Burocracia e Sociedade no Brasil Colonial ,a frase “ algum cargo da Justiça ou do do Tesouro “ era a resposta usual para qualquer requerente que apresentasse folha de serviços digna de recompensa .Tais cargos não eram somente dados a candidatos em perspectiva , mas também oferecidos a viúvas ou órfãos como dote . O mesmo ocorria no resto da Europa .
Dado o desconto para o que era próprio do tempo,no entanto,é de se convir que o Império Português, em geral , e o Brasil Colônia , em particular , ofereciam terrenos dos mais propícios para o vicejar da corrupção . Mesmo o desencantado leitor dos dias de hoje não poderá evitar um arquear de sobrancelhas ao verificar a infinidade de negociatas já praticadas naquela época , tais como se encontram minuciosamente descritas no grande clássico da língua : A primeira edição dessa obra trazia o nome do padre Vieira,como autor e a indicação de ter sido composta na tipografia Elviizirena, de Amsterdã, em 1652. Na verdade ,essa edição é de oura data ,foi composta em Lisboa e seu autor não é Vieira . Seria , talvez , Tomé Pinheiro da Veiga ou Francisco Manoel de Mello ou , ainda , como sugerem alguns , Antônio de Sousa de Macedo .
Não importa .O embuste do autor e dos editores não impede que as personagens do livro ,continuem gritantes de realidade . Por trás do nome arcaico dos almotacés - encarregados de vigiar “ padeiras , regateiras , estalagens e tavernas para ver se vendem cousas por seu preço deixam passar por estimação de anil o pacote que tem cheio de basares “ ? Já naquele tempo , havia o escândalo dos ministros que enriqueciam vertiginosamente ,especialistas no tráfico de influências ,concorrências públicas fraudadas .
Fonte - Jornal O ESTADO DE SÃO PAULO - pág 18 - CORRUPÇÃO Data - Domingo , 24 de Março de 1991 - PEDRO CAVALCANTI
( o texto abaixo é continuação deste )
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