DORINA DE GOUVEA NOWILL

DORINA  DE  GOUVÊA  NOWILL

a  mulher  extraordinária  que  o  Governo  Federal  nomeou  Presidente da  Campanha 

Nacional  do  Bem-Estar  para os  cegos 

Mulher  - ternura       Mulher  -  ação        Mulher  - otimismo 

A  caminho , confiro mais  uma vez o  e  -  Rua  Dr. Diogo de  Faria , 558   Tudo  certo  

Para  setembro ,o dia está  excepcionalmente fresco e  um sol  frustrado procura em  vão  alegrar a  manhã ,tentando romper   a  barreira  de  nuvens  baixas 

De repente , à nossa esquerda longe , no borrão do parabrisas , a mancha cinzenta do  edifício que buscamos .Em estilo moderno , simples e  funcional , conduz-nos por uma  rampa suave ao  “ hall ”da  “ Fundação para  o  Livro  do  cego no  Brasil “ . Aí  a  reportagem é recebida por  Da  Olímpia  de  Sant’ Ana Sawaya , atual tesoureira que , já a  par ,de  nossos objetivos , acompanha-nos numa visita maravilhosa  pelas  dependências

dessa  organização modelar , orgulho  do Brasil . Melhor  cicerone  impossível encontrar .

Passamos  inicialmente  pela  Biblioteca  Tiflológica  –  Departamento  de  Educação especializado , com  toda sorte de  publicações  sobre  cegueira ,  à  disposição  dos  interessados :  professores  de  cegos , assistentes  sociais , oftalmologistas , alunos  do  curso  de  especialização  para  ensino  de  cegos , etc . Essa  Biblioteca , fundada em  1948 , encontra-se em  fase de  reorganização , como o  comprovam  seus  vários  serviços .

Passamos  em seguida  à Sala de Gravações , cuja  finalidade é  proporcionar recreação aos  cegos em geral . A  grande aspiração dos  dirigentes dessa notável  obra é  transformar em  realidade o  “ livro falado “ que há  cinco anos foi  orçado em  milhões de  cruzeiros ! 

Para  ampliar a  educação do  cego e preencher suas  horas de lazer , vimos a  revista  “ Relevo “ , editada em  caracteres  Braille . As  crianças tem também a  sua  “ Relevinho “ . 

Duas  coisas nos  chamam atenção  ao  entrarmos  em contato com o  elemento humano que aí  labuta : o  entusiasmo e a  dedicação que emprestam  ao seu trabalho , entusiasmo e dedicação que vem do  amor ao  próximo e do  respeito quase  místico que todos devotam a  Dorina  de  Gouvêa  Nowill. 

Muitos antes de  conhecê-la , na  sua presença se insunuava quase real , em todas as  partes onde  andá -vamos .Vimo - la  na  ordem e  organização que  reinam na  “ Fundação “ . Vimos na  ânsia   de progresso  que aí se  respira . Assim , pudemos compor  antecipadamente um  retrato da  mulher que  pretendíamos  entrevistar .

A  hora vai adiantada  mas a cada  momento  novas surpresas  nos  aguardam . 

A  Biblioteca  Circulante , por  exemplo :  livros em  caracteres  Braille , transcritos pela  impressa Braille e  livros  transcritos por  voluntários  copistas , atualmente  112 . Há  obras  didáticas  e  de   ficção .

Trabalha-se  febrilmente  na  Sala da  Impressa .  

É  que no momento  estão todos  empenhados em  imprimir as  cédulas - guias  para que também os  cegos possam votar . A  lição de  patriotismo aqui  é  comovedora .

Casualmente peço para  examinar uma  cartilha :  “ Onde  está o  patinho ? “ 

Transcrita  em  caracteres  Braille , é um  notável empreendimento didático que preencherá seus  fins  com eficiência .

Olímpia indica-nos  uma sala  onde aguardamos Dorina .Ponho  minhas ideias em ordem . Estou   ansiosa por conhecer o  autor da obra  que acabara de admirar . Ainda  pairava  no  ar  a  presença  espiritual  de  Dorina  quando ela  chegou .Sua  persona-lidade causou - me  boa  impressão . É  uma  mulher  bonita , ainda jovem , estatura mediana , feições delicadas . Usava com elegante  displicência  um casaco de  tricô areia  sobre uma  blusa acerejada que lhe punha belos reflexos na  face . Cabelos escuros , finos e  simplesmente  penteados . 

Eu havia preparado  laboriosamente uma  série de  perguntas que  taxara  de  " formidáveis  " , numa demons-tração  inequívoca  de  vaidade  jornalística .

Fui  infeliz logo de saída . Como  nota de mil cruzeiros . Dorina  foge à minha primeira tentativa de contato : 

- Quem  é , em sua opinião , a professora  Dorinba ? 

- O que  importa é a  " professora "e não  Dorina .

- Então , deveria  pensar no seu  trabalho , não em si ,

Dorina  continua : 

- Uma  professora como outra qualquer  ... Mais , não saberia dizer .

A esta  altura eu já ficara  informada por ela  própria que outros haviam tentado entrevistá-la , mas  com resultados negativos .

Curioso . Moro na  rota dos  aviões que demandam o Aeroporto de  Congonhas . Às vezes , no  meio da noite um clarão ofuscante atravessa as persianas do quarto e me acordo , repentinamente . 

Então , como se na  noite de  minha ideias já  confusas brilhasse uma  luz , eu  compreendi .

Compreendi e coloquei - me no lugar daquela  que acaba  de deixar cansada e  talvez  preocupada , a presi-dência de uma  importante reunião para , num  ato de  extrema cortesia , nos atender . E encontro pela  frente uma  criatura curiosa , pronta  a cair sobre seus  problemas como  uma  ducha gelada aguardando , para  per-guntas pré - fabricadas , as  respostas precisas de  um cérebro eletrônico . Eu  procurara  ansiosiamente a  " Mestra do  Ano de  61 "  . Estava ausente . Em seu  lugar encontro a  mãe amorosa , voltada para os filhos . 

Pois , o que sobretudo nos impressiona em  Dorina  é  sua meiguice . 

É " maternal " no  sentido extrito do termo . Sua  afeição  não  se estende sómente aos cinco  filhinhos , aos familiares , mas à  Fundação que dirige e à sorte da  Campanha que a absorve no momento . 

Sim , porque cumpre esclarecer que  Dorina de  Gouvêa  Nowwill , a  " milionária em  horas de trabalho pelo  bem do  próximo " ,  foi  nomeada  pelo Governo  Federal . Presidente  da  Campanha Nacional do  Bem - Estar  para  os  cegos .

A  ternura parece-me  ser constante em  sua alma . E é dentro desse  clima  que devemos  julgar a  sua obra . Pesquisadora e  realizadora incansável , tem sido fiel  aos seus princípios e  à sua sã  filosofia . Não citarei os  numerosos trabalhos que publicou e escreveu , os títulos e medalhas com  que foi agraciada . Isto é  fácil ve-rificar em seu  " Curriculum  vitae " . Não  me deterei mesmo na  apreciação da obra  gigantesca e  original a que vem dedicando sua  vida . Quisera considerar apenas a  filosofia de  amor que  tudo  isso inspirou e que nenhum a técnica de  laboratóorio poderá  produzir . 

É a  concepção do homem e da  vida , o fundamento da  obra de  Dorina .

Mas não quero que esta  entrevista se  transforme em  retrato . 

- Que  lugar  ocupa  " este " trabalho  em  sua vida ? 

Dorina  responde modestamente  .

- Sou  uma  decepção . Não saberia dize - lo , como a  gente não  sabe  definir  um filho .

- Você tem tido  contratempo  em  seu trabalho ? 

- Dificuldades e  obstáculos de acordo com  as  dimensões do  problema : três milhões de  dificuldades  financeiras e  técnicas .

- Quais as  coisas , relacionadas com  sua  missão , que maiores alegrias lhe tem proporcionando ? 

- Estou  satisfeita com a  minha vida . A vida de cada dia , rica de  surpresas , é  tão encantadora , que não é preciso  viver no passado . O presente é  maravilhoso , e gos-

to de viver no  passado .O  presente é maravilhoso , e gosto de  viver como eu  vivo . Os  problemas se acumulam mas a  harmonia do  mundo  está mesmo nesta  diversidade de  coisas e fatos . 

- Acha  que  o  brasil está  " em  dia " ou  " atrasado " em relação à  pedagogia  especializada para  cegos ? 

- Os  processos pedagógicos só se  adiantaram em  São Paulo ,mas há  interesse em  integrar o  Brasil inteiro neste  processo de  educação . Há  criação de classes  Braille  de  ensino  itinerante . No Rio , Guanabara e  Bahia muito já se  realizou pela  educação integrada .

Revista   "  PRIMAVERA  E  FLOR "  -  PÁGS  16 E 17                                                                      DATA  1962  -  Ita  Helena