sexta-feira, 22 de agosto de 2025

A avareza na ficção

 







 BALZAC  e  DOSTOIEVSKI , ESCRITORES  CONSAGRADOS  DO SÉCULO  XIX ,VIVIAM ATOLADOS EM  DÍVIDAS , NÃO  ADMIRA  QUE  AMBOS  TENHAM  CRIADO  PERSONA-

GENS  SOVINAS  E  EGOÍSTAS 

Embora muitos já tenham esquecido o Brasil viveu período de grandes surtos inflacionários,nos quais  o dinheiro  perdia  rapidamente  o  seu valor . Era muito comum ver moedas nas sarjetas das ruas ; ali ficavam porque valiam tão pouco que ninguém se dava ao trabalho de abaixar-se  para apanhá - las . Isso nos remete a um fato  básico da  economia  e da  vidasocial  : a rigor ,o dinheiro é uma ficção . Mas exatamente por causa desse ângulo , digamos ficcional ele a ssume também caráter altamente simbólico . E não muito  agradável , segundo Freud.Observando que ao longo da história o dinheiro foi frequentemente ( e ainda é ) associado à sujeira o pai da psicanálise postulou que a proposital retenção de fezes , característica da fase anal do  desenvolvimento infantil , teria  continuidade no adulto ,com a  preocupação  com o dinheiro .O avarento é  um exemplo caricatural  disso . 

Aos  escritores  essas  coisas  não poderiam passar despercebidas , mesmo porque muitos deles tinham , e têm problemas com dinheiro ; Honoré  de Balzac  ( 1799 - 1850 )  e  Fiódor Dostoievski  (1821 - 1881 ) viviam atolados em dívidas ,sobretudo o escritor russo , que era jogador compulsivo. Não é de admirar que avarentos  tenham dado grandes personagens da ficção .O primeiro exemplo é ,naturalmente , o Shylock  de  William Shakes  -

peare ) 1564 - 1616 ) na comédia O  mercador  de  Veneza ,do fim do século  XVI . Shylock  era um  agiota .Na Idade Média ,o empréstimo a juros era proibido aos cristãos e reservado ao desprezado e marginal  grupo  de  judeus . Um  arranjo perfeito quando  o  senhor feudal não queria ou não podia  pagar  dívidas contraídas  com os  agiotas , desencadeava um  massacre de  judeus , um  grupo desprezado  e marginalizado , e  resolva  o problema . Shylock  sente - se  desprezado  e  quando  empresta  dinheiro  a Antonio , um  mercador , pede em garantia uma  libra da carne do devedor ele quer que este se revele inadimplente e  pague a dívida com a matéria de seu próprio corpo : um esforço  desesperado e grotesco para ser  respeitado .

Outro usuário que aparece na peça O avarento (  1668 ) ,de Jean - Baptiste  Molière (1662- 1673 ) é Harpagon . Quanto  mais rico fica , mais mesquinho se torna , e mais faz  sofrer  os filhos , o jovem  Cléante , apaixonado  por  Mariane , moça pobre  -  Harpagon  obviamente se opõe  ao namoro  -  e  a  filha  Élise ,que ele  quer  casar com o  velho  Anselme . Além das brigas com os filhos ,Harpagon tem  outros motivos para se inquietar : enterrou em seu jardim uma  caixa  com dez mil  escudos de ouro é constantemente perseguido pela idéia de que a sua fortuna será  roubada . No fim , a avareza  é  castigada  e  Cléante  e  Élise  podem se  unir  às  pessoas que amam .

Avarentos  também não faltam nos  romances de  Charles  Dickens ( 1812 - 1870 ) , um dos mais  conhecidos  é o personagem  Ebenezer  Scrooge de  um conto de Natal  ( 1843 ) , um homem velho  , egoísta , insensível , que  odeia tudo  - até  o  Natal  -  uma  festa que evoca  bondade  e  generosi -dade .  Scrooge maltrata seu  empregado  Bob  Cratchit , que  tem um filho deficiente  físico , o Pequeno Tim , mas na  noite de  Natal  é  visitado por misteriosas entidades ,os espíritos de  Natal ,e muda por completo , tomando - se  generoso ,ajudando Cratchit  e  sua  família . Em  Silas  Marner , novela  de  George  Eliot  ( 1819 - 1880 ) que  usava o  pseudônimo  de  Mary Ann  Evans , o perso-nagem , um  misantropo que  prefere o  ouro às  pessoas  , aprenderá , assim  Scrooge , a sua lição . Ele é roubado, mas , ao tomar  sob  seus  cuidados o   menino  Eppie , mudará , tornando - se  um  homem  melhor .  Em  Eugénie  Grandet , um  rico e  sovina  mercador de vinhos , que se opõe  à  paixão da filha pelo  sobrinho  pobre . 

Como  se  pode  ver , todas  essas obras , a  obsessão  pelo dinheiro resulta  de uma personalidade repulsiva  ou patética .  Freud  tinha  razão  o poder simbólico do  vil  metal  não  é  pequeno  e tem  atravessado os  séculos  incólume .

Fonte  -  Revista   -  MENTE  &  CÉREBRO   -  pág  82  -  Literatura  Data  - Maio  2021  - MOACYR  SCLIAR  - é  médico , escritor e  membro da Academia de  Letras 


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe seu comentário sobre a postagem.