BALZAC e DOSTOIEVSKI , ESCRITORES CONSAGRADOS DO SÉCULO XIX ,VIVIAM ATOLADOS EM DÍVIDAS , NÃO ADMIRA QUE AMBOS TENHAM CRIADO PERSONA-
GENS SOVINAS E EGOÍSTAS
Embora muitos já tenham esquecido o Brasil viveu período de grandes surtos inflacionários,nos quais o dinheiro perdia rapidamente o seu valor . Era muito comum ver moedas nas sarjetas das ruas ; ali ficavam porque valiam tão pouco que ninguém se dava ao trabalho de abaixar-se para apanhá - las . Isso nos remete a um fato básico da economia e da vidasocial : a rigor ,o dinheiro é uma ficção . Mas exatamente por causa desse ângulo , digamos ficcional ele a ssume também caráter altamente simbólico . E não muito agradável , segundo Freud.Observando que ao longo da história o dinheiro foi frequentemente ( e ainda é ) associado à sujeira o pai da psicanálise postulou que a proposital retenção de fezes , característica da fase anal do desenvolvimento infantil , teria continuidade no adulto ,com a preocupação com o dinheiro .O avarento é um exemplo caricatural disso .
Aos escritores essas coisas não poderiam passar despercebidas , mesmo porque muitos deles tinham , e têm problemas com dinheiro ; Honoré de Balzac ( 1799 - 1850 ) e Fiódor Dostoievski (1821 - 1881 ) viviam atolados em dívidas ,sobretudo o escritor russo , que era jogador compulsivo. Não é de admirar que avarentos tenham dado grandes personagens da ficção .O primeiro exemplo é ,naturalmente , o Shylock de William Shakes -
peare ) 1564 - 1616 ) na comédia O mercador de Veneza ,do fim do século XVI . Shylock era um agiota .Na Idade Média ,o empréstimo a juros era proibido aos cristãos e reservado ao desprezado e marginal grupo de judeus . Um arranjo perfeito quando o senhor feudal não queria ou não podia pagar dívidas contraídas com os agiotas , desencadeava um massacre de judeus , um grupo desprezado e marginalizado , e resolva o problema . Shylock sente - se desprezado e quando empresta dinheiro a Antonio , um mercador , pede em garantia uma libra da carne do devedor ele quer que este se revele inadimplente e pague a dívida com a matéria de seu próprio corpo : um esforço desesperado e grotesco para ser respeitado .
Outro usuário que aparece na peça O avarento ( 1668 ) ,de Jean - Baptiste Molière (1662- 1673 ) é Harpagon . Quanto mais rico fica , mais mesquinho se torna , e mais faz sofrer os filhos , o jovem Cléante , apaixonado por Mariane , moça pobre - Harpagon obviamente se opõe ao namoro - e a filha Élise ,que ele quer casar com o velho Anselme . Além das brigas com os filhos ,Harpagon tem outros motivos para se inquietar : enterrou em seu jardim uma caixa com dez mil escudos de ouro é constantemente perseguido pela idéia de que a sua fortuna será roubada . No fim , a avareza é castigada e Cléante e Élise podem se unir às pessoas que amam .
Avarentos também não faltam nos romances de Charles Dickens ( 1812 - 1870 ) , um dos mais conhecidos é o personagem Ebenezer Scrooge de um conto de Natal ( 1843 ) , um homem velho , egoísta , insensível , que odeia tudo - até o Natal - uma festa que evoca bondade e generosi -dade . Scrooge maltrata seu empregado Bob Cratchit , que tem um filho deficiente físico , o Pequeno Tim , mas na noite de Natal é visitado por misteriosas entidades ,os espíritos de Natal ,e muda por completo , tomando - se generoso ,ajudando Cratchit e sua família . Em Silas Marner , novela de George Eliot ( 1819 - 1880 ) que usava o pseudônimo de Mary Ann Evans , o perso-nagem , um misantropo que prefere o ouro às pessoas , aprenderá , assim Scrooge , a sua lição . Ele é roubado, mas , ao tomar sob seus cuidados o menino Eppie , mudará , tornando - se um homem melhor . Em Eugénie Grandet , um rico e sovina mercador de vinhos , que se opõe à paixão da filha pelo sobrinho pobre .
Como se pode ver , todas essas obras , a obsessão pelo dinheiro resulta de uma personalidade repulsiva ou patética . Freud tinha razão o poder simbólico do vil metal não é pequeno e tem atravessado os séculos incólume .
Fonte - Revista - MENTE & CÉREBRO - pág 82 - Literatura Data - Maio 2021 - MOACYR SCLIAR - é médico , escritor e membro da Academia de Letras
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